Política, reconciliação e o que Jesus faria


Quadro: O chamado de Mateus

Saindo, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria, e disse-lhe: “Siga-me”. Mateus levantou-se e o seguiu.
10 Estando Jesus em casa, foram comer com ele e seus discípulos muitos publicanos e “pecadores”. 11 Vendo isso, os fariseus perguntaram aos discípulos dele: “Por que o mestre de vocês come com publicanos e ‘pecadores’?”
12 Ouvindo isso, Jesus disse: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. 13 Vão aprender o que significa isto: ‘Desejo misericórdia, não sacrifícios’. Pois eu não vim chamar justos, mas pecadores”.
Mateus 9. 9-13

 Um dos temas muito pautados no momento atual é a questão da reconciliação ou não entre pessoas feridas no processo de eleição. Uma eleição esta que levou o que chamávamos desde de 2014 de polaridade política ao extremo - a meu ver, uma polarização assimétrica, mas na mentalidade do senso comum a gravidade seria a mesma. 

De um lado, temos uma população de classe média (tanto alta quanto baixa) decepcionada com um partido que já lhe deu muitas regalias e que foi levado a rede nacional por grandes escândalos de corrupção. Este partido, devido a diversas reportagens e propagandas foi colocado como partido mãe de toda corrupção e que não possui respeito a pautas que seriam muito coerentes com alguém que se importa com nosso país - não deixar crianças se hiperssexualizar, evitar doutrinação partidária na escola, evitar genocídio de bebês, evitar material escolar pedófilo, evitar acordos com países quebrados como a Venezuela etc. Graças a uma enxurrada de informações essas preocupações entraram no âmago de uma população decepcionada e que quer um futuro melhor para seus filhos que estão nascendo nessa polarização.

De outro lado, uma geração que percebe a polarização do país como uma deixa para um regimento totalitário, anti-oposição e que é retrógrado em direitos básicos para a população, como os direitos trabalhistas, direitos sobre o corpo e a liberdade de expressão. Essa população, observando exemplos passados da ditadura civil-militar e outros regimes totalitários pelo mundo, tem sentido que o acordo nacional "com supremo e com todos" encaminha para um fascismo burocrático, que perpassa bem o discurso popular - como o de próprio Hitler que conseguiu ganhar uma eleição - e que não só não está sendo evitado pelos outros poderes, mas como está sendo apoiado a fim de distruir um inimigo público que é fantoche de um iceberg de corrupções que vem desde o regime militar.

A mim cabe o posicionamento:  sou anarquista, não acredito que em mudança que venha pelo voto. Acredito na oposição sadia que constrói sociedades e que estão pautadas em questões realistas, que sentimos na carne e não que nos fazem sentir devido a propaganda. Estou convicta que as mentiras eleitorais precisariam ser desmentidas em órgãos internacionalistas, a fim de que a escolha democrática não fosse manipuladas pelo pânico social ou pânico moral.

E cabe a mim outro posicionamento, votei no PT, lutei por virada de votos, pelo direito a oposição. Devido ao discurso de outro candidato que fala claramente em extermínio da oposição, não quero crer que o candidato pecou contra o Espírito Santo em rede nacional orando com a mão na Bíblia e ter construido sua vitória em mentiras. Creio que ele falou a verdade e, por isso, votei contrário a ele.

Por fim, um terceiro posicionamento: não há como dialogar com pessoas que acreditam de fato nesse tipo de fala e ainda assim votaram nele, pois minhas palavras não são mais carregadas de humanidade para tais pessoas. E, enquanto não houver alteridade, cabe a mim apenas a oração.

Nesse aspecto encontro a falsa simetria: há, entre os eleitores de bolsonaro quem realmente acreditam em seu discurso de eliminação e recebem o aval para o realizar, mesmo que o Capitão não o faça, enquanto no outro lado não há um discurso claro, explícito, de eliminação da oposição. O único aval de violência dado a tal situação pelo lado da esquerda é o aval ao rancor, a raiva, ao rompimento relacional. O caminho que a esquerda tem contruido não é de eliminar, diferente de outros contextos históricos. Sua arma é o rompimento para se salvar.

Num outro plano de pensamento, encontramos o que chamamos de Reino de Deus, ou Reinado de Deus,a qual fazem parte deles todos aqueles que seguem a Cristo e creem na vitória ao fim da morte. São estes os que mantém os mandamentos do Senhor e tentam cumprir de todo o coração. 

Desde a lei mosaica encontrada em Êxodo 20, sabemos que o sexto mandamento diz claramente contra o assassinato e, no caso, se lembrarmos de Cristo em Mateus 5.22, nas bem-aventuranças, apontam que aquele que chama o irmão de tolo já o matou, temos evidências Bíblicas que o extermínio e a desonra do outro - nisso significava o tolo, a desumanização do outro - não entram de modo algum numa pessoa que se diz Cristã. Pelo menos no caso de convicção na mensagem da eliminação.

Então vem uma questão muito comum: se o outro me desumaniza tanto, o que eu faço?

Citarei alguns exemplos bíblicos que podem - e devem - nos fazer pensar em reações com pessoas que amamos ou não e que fizeram escolhas que reprovamos.

1) Aos convictos na eliminação/desumanização do outro.

Já falei um pouco sobre isso, mas vou enfatizar com mais exemplos bíblicos. Cristo teve que lidar com muitos sacerdotes que creram que a melhor forma  de lidar com a heresia era expulsando os fora da lei ou os assassinando, como ocorreu com o Cristo. Além disso, Ele teve que lidar com discípulos próximos, como Pedro, que no desespero recorreu a espada como uma forma de preservação da vida e outros, como zelotas, que criam na luta armada para a concretização do Reino de Deus.

Em relação a isso, Cristo preferiu morrer, deixar-se morrer, deixar-se ser humilhado e recorreu a esse discurso incessantemente, tanto nas Bem Aventuranças (Mt.5.1) ou quando te fizerem mal (Mt.5.41). E, recorrentemente, Cristo nos ensinou a orar por estas pessoas  (Mt. 5.44), como deu exemplo na sua crucificação (Lc 23.34) e no Pai Nosso (Mt 6.12).

Temos casos muito concretos de conversão, a começar por nós. Na Bíblia lembramos sempre de Paulo, que se converteu e se tornou um grande pregador. 

Porém, nem todos se convertem e nem por isso Cristo fez questão de se afastar, como o caso de Judas Iscariotes.  Contudo, chegamos num outro ponto crucial.

2) Aos que nos humanizam

Judas Iscariotes, ainda que traindo a Cristo no final, nunca foi expulso. Mesmo Cristo o amando e sabendo que essa caminhada o faria se matar, não desistiu. Quanto a nossa parte, cabe bater os pés quando infelizmente não enraiza a humanidade (Mt.10.14). Porém, constantemente Cristo convida não só nos convida ao arrependimento (Mt.15), mas ao cuidado mútuo, apesar da não mudança de algumas pessoas. 

Comecei o texto com o chamado de Mateus porque este era um dos doze e tem uma característica muito peculiar: apesar de ser cobrador de impostos, ser um traidor do povo judeu, este não restituiu nada a ninguém. Não só isso, Deus o chama enquanto ele estava contando dinheiro que seria dado ao opressor. Diferentemente de Zaqueu, que Jesus o chama e há uma conversão imediata de valores, Mateus não. E foi um dos primeiros apóstolos de Cristo. Mateus viu algo valoroso em Cristo que valia a pena ouvir, mesmo não tendo feito o que acreditamos ser o certo.

Após isso, Jesus janta com esta galera que não havia demonstrado um arrependimento claro, mas que também não tinha fechado os ouvidos. E, para estas pessoas, todo o cuidado e misericórdia, usando as palavras de Oséias 6.6, que conta a história que casou com uma prostituta que, mesmo o traido, cria no melhor para ela.

O discernimento é um dos dons espirituais (1 Co12.10) mais importantes para o momento presente e devemos lembrar que a Bíblia nos chama para buscar ativamente estes dons (1Co 12.1). 

Se você tem uma oportunidade de acolher, de ouvir a quem ainda te humaniza e não o faz, você está pecando (Tg 4.17).
Se você tem a oportunidade de orar por alguém que quer te ver morta e você não o faz, você está pecando (Mt.5.46-48).

"Ah, mas e minha saúde? Como vou aguentar?"

Algumas dicas espirituais que Cristo fez: se isolar para se preparar (Lc 4.1-13), conviver prioritariamente com gente que quer ouvir - isso inclui se precisar, de terapia-  (Mt 13.9) e entregar suas mágoas e angústicas para Deus (Mt.26.71)

Deus nos abençoe

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Força

O que aprendi de minha crise espiritual de 2021 – Ou sobre um Jesus fora do presépio.

Os tímidos herdarão o Reino dos Céus