Minha fé, minha solidão

[Desenho pelo Nakedpastor]


É triste, porém muito comum a associação da ideia de mulher com a ideia de solidão. Ouvimos em coletivos feministas sobre a solidão da mulher negra, da mulher trans e das mulheres imigrantes. Temos as dificuldades que ouvimos também, de mulheres que vão sozinhas andar na rua, circular pela cidade e o quão desamparadas elas se sentem. Falamos de solidão ao lembrarmos daquelas que sofrem violência doméstica, do silêncio que isso produz e o afastamento da família de origem.

Parece que quando nos lembramos de mulheres, é quase que corriqueiro a associação a algum tipo de desamparo. Vivemos numa sociedade que sobrevive pela ideia de que a mulher é parcial, que algo as falta – no caso, um homem. E, de fato, como um ser humano inserido num ambiente coletivo, sentimos, sim, falta. Se a falta é um homem, é questionável. Como cristã, vejo que boa parte da falta que sentimos diz respeito a uma necessidade nossa de viver em plenitude com Deus, com todas as consequências que essa plenitude acarreta. Na Bíblia, essa vida em abundância é demonstrada no exercício do amor, a comunhão da igreja primitiva e, principalmente, na ideia de tornar-se um com o próximo – um só povo, um só corpo com Cristo, um só com a Criação.

E quando pensamos nesse plano de Deus de unidade, de uma Pericorese, isso é, de uma dança tão íntima como da Trindade, percebemos que não vivemos isso. E, no caso das mulheres, isso é agravado, sentimos ainda mais distantes de sentir isso que um homem.  O pecado social do machismo ainda afasta mais ainda estas mulheres de serem livres para viver o Reino.

Se o homem não tem tempo de se dedicar a Deus pelo excesso de trabalho, quiçá a mulher, que possui jornada tripla – mãe, dona de casa e trabalhadora. Se o homem tem dificuldade de perdoar devido a alguma violência que sofreu, imagine ainda a estatística de mulheres violentadas na rua, em casa e no trabalho. Como esta mulher vai querer ser um com estes que o fizeram mal? Ou adorar um Deus que lembre tais agressores?

Por isso – e alguns setores insistem em não entender – as teologias contextuais tem seu valor. No momento que se diz que Deus é mulher, ou que Deus não tem gênero, parafraseando o pastor Broderick Greer, não está se fazendo de fato uma afirmação genitália ou de construção de gênero. Essa é uma afirmação teológica que diz: Deus está ao lado do que está sofrendo. Ele não é homem para você, mulher, ter medo. O poder teológico dessa afirmação é que liberta, que diz respeito a mensagem do evangelho. E é isso que as teologias feministas, negras, latino-americanas etc fazem.
Estas leituras tem uma real importância no dia-a-dia da construção de uma comunidade – no sentido de comum unidade. Alguém pode dizer: tais dificuldades citadas são apenas experiências fora da igreja. Dentro da minha igreja a mulher não precisa de teologia feminista porque o lugar é feito para todos adorarem a Deus! Porém, eu receio ter que discordar muito. E, para isso, nem vou começar falando de igrejas que não aceitam sacerdócio feminino.

As imensas maiorias das igrejas que aceitam o sacerdócio feminino não aceitam, concomitantemente, a mulher como sacerdote do lar. Isso é, a mulher pode exercer a sua liderança eclesial, porém este ainda é feito sobre o poder do marido deixar ou não. Assim, boa parte das igrejas que possui pastora pede o sacerdócio também do homem que seria cabeça desta.  É exatamente igual a visão que o mundo criou de que a mulher pode ser a chefe, porém, não pode receber mais que o marido. É exatamente o mesmo pecado social dentro da igreja.

Então, perceba, mesmo quando elencamos igrejas que, aos olhos rasos são igualitárias, não são. Estas mulheres muitas vezes são minoria num conselho cheio de homens, enquanto a igreja em si continua sendo majoritariamente feminina. Estas outras mulheres piedosas cresceram acreditando que, apesar de ter mulheres pastoras, líderes, o dom verdadeiramente feminino é o do cuidado. Assim, elas priorizam cuidar das crianças, arrumar a igreja para o marmanjo seminarista sujar.
Repito: isso em igrejas lidas como abertas ao lugar da mulher. Sequer acontece com todas. Igrejas, como a que eu fui criada, não existem pastoras, presbíteras, diaconisas. Cresci angustiada porque eu detestava cantar e detestava ficar com as outras crianças. Nasci para a teologia, para o estudo e descobri um campo aonde as salas tinham 50 homens e 5 mulheres, aos quais se formaram apenas 3 delas. Encarei seminários que proíbem professoras, vagas de capelania que ainda hoje exigem o gênero masculino. E, mesmo quando não as proíbem, o quão angustiante é entrar numa profissão onde só existe você de mulher, sujeita a toda forma de assédio e gaslightings.

Fora dos espaços de liderança as dificuldades ainda persistem também, afinal somos vigiadas se mantemos a “santidade”, se vestimos corretamente, se não falamos demais. Afinal, o que será de um homem se ele pedir perdão em público por ter sido adultero e de uma mulher que fez o mesmo pecado?


Entenda, essa discussão é muito maior do que aceitar o sacerdócio feminino ou não.  É toda uma construção de que não favorece este gênero de emancipar-se, de produzir uma espiritualidade que possa dar ainda mais frutos. Nisso a Teologia feminista entra, não para destruir o homem e mudar a história de que Jesus foi do gênero masculino, mas para trazer um evangelho mais significativo para o povo feminino. Se hoje já podemos mais do que antes, aonde uma mulher sequer poderia levantar sua voz no culto, imagine o dia que todas elas puderem falar do que estão vivendo com Deus livremente com o dom que lhes foi designado. Assim, um dia talvez chegaremos a não sentirmos mais falta, não tão mais sozinhas na igreja, sem se identificarmos com nossos espaços. Nesse dia, poderemos sentir um pouco do gosto do céu, aonde não vai haver nem judeu, nem grego, nem homem, nem mulher, nem escravo ou livre, porque todos seremos um com Cristo (Gl 3.28) 

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