As mulheres ressurgirão!


A Páscoa, literalmente, significa passagem. Passagem porque é uma lembrança antiga da libertação do povo hebreu de um sistema de escravidão que durante anos os aprisionou no Egito. Nesse grande processo estavam mulheres, homens e crianças seguindo em busca de uma nova esperança, um lugar que fosse próprio, deixando tudo para trás, atravessando mares e desertos. Assim, os judeus desde pequenos, quando se aproximavam a época da Páscoa, já sabiam que ela representava libertação, uma passagem da escravidão para a vida. Jesus foi ensinado dessa forma também.

Porém, viver esse doloroso trajeto, sendo o próprio a viver um deserto é muito diferente do que apenas saber sobre a Páscoa, sobre o cordeiro que precisou morrer, como o próprio Jesus experimentou. Tão diferente que os discípulos homens, quando ouviam que era necessário morrer para viver, que o destino de Jesus seria doloroso, eles não entendiam. Não era de sua vivência a extrema dor e a capacidade de suportá-la, esta era somente de ouvir falar.

Tal dificuldade dos discípulos se expressou na via crucis. Na dor, eles sumiram, temeram, acharam que era necessário se esconder. Judas, vendo a realidade da morte de Jesus e a consequência dos seus atos, se matou. Pedro negou três vezes e tantos outros que sequer sabemos o que fizeram. Curiosamente, havia algumas pessoas, que acompanharam de perto a tortura e a humilhação pública de Jesus. Algumas destas que já estavam acostumadas com gritos de multidão as condenando, não eram um som estranho. Se as encontrassem com o judeu condenado, tudo bem! Elas eram mais umas das condenadas. Eram as mulheres.

As mulheres foram as que tiveram durante toda vida de Jesus, tiveram o privilégio doloroso de ver a mensagem do Reino de Deus sendo levada a última consequência, ver as bem aventuranças e as profecias sendo cumpridas. Puderam ver com os próprios olhos a angústia da trindade que abandonou o Filho, encararam cada um que torturavam aquele que tinha como mestres. Isso é, as mulheres estavam vendo a Páscoa acontecer da forma mais intensa possível. Talvez a pessoa que sentiu maior dor nessa Páscoa depois de Jesus era sua mãe, Maria, mulher que engravidou solteira e jovem, tendo em Cristo seu filho e Deus morrendo.

E morreu. As mulheres viram Deus morrer.

José de Arimatéia – um discípulo absolutamente escondido – e Nicodemos – outro que só quis encontrar Jesus à noite, quando ninguém podia o ver – o sepultaram. Os nobres que estavam acompanhando os milagres de perto, nem apareceram. Porém, ali estavam as mulheres, a qual viveram o milagre de mudança da vida na pele. Foram elas que embalsamaram Jesus. Não havia o que esconder. De fato, elas o amaram até o fim, da mesma forma como Ele as amou.

Noutro dia, sabendo que publicamente era recente a morte de Jesus como condenado político, não tiveram medo de ir até sua sepultura e o gloriar com os melhores cuidados – mesmo tendo morrido da forma mais punitiva possível.. E, olha! Outro privilégio! A sepultura estava aberta. E um soldado, treinado para ser forte e opressor, estava caído no chão, feito morto. E as mulheres, treinadas para serem emotivas e fracas, foram corajosas e conversaram com o anjo – com rosto de trovão e vestes brancas! Qualquer um teria medo disso - que da forma mais bela, falou a mensagem mais honrosa que qualquer discípulo adoraria ter ouvido: Por que procura entre os mortos o que vive? Ele não está aqui, pois ressuscitou.

E elas, com o medo natural, porém resistentes por uma vida de luta, foram correndo contar para os discípulos. Mas os romanos não poderiam descobrir? Elas não eram visadas pelo Estado e a religião? A mensagem em que carregavam não poderia as matar? Afinal, como o pastor Henrique Vieira contou em sua igreja,  é como se hoje em dia Amarildo ressurgisse e questionasse o poder da PM de matar. Era muito perigoso, mas foram mesmo assim.

Deus viu essa grande coragem e deu o maior privilégio de todos: Jesus decidiu, antes dos discípulos, as ver. Deus, em sua imensidão e poder quis, desejou e, principalmente, amou de tal modo que considerou que as mulheres deveriam ser as primeiras a saber que Deus também sofre, mas resiste. E não só isso, que o sofrimento tem um fim de esperança, de que a luta não deve acabar. Deus, em sua sacralidade, escolheu as mulheres para ressurgirem junto com Ele. Deus em sua atemporalidade, fez questão de escolher  encontrá-las antes dos homens, de dar um abraço em Jesus não porque ouviram falar, mas porque elas sabiam como viver na pele a ressurreição.

É claro que, posteriormente, os discípulos não acreditaram muito, tentaram colocá-las em segundo lugar nas missões e Paulo, quando fala da ressurreição em 1Co 15, não dá nenhuma importância para as mulheres nesse processo. Porém, de qualquer forma, eles tiveram que morder a língua porque, para a infelicidade do opressor, foi o oprimido que viveu o momento mais belo da cristandade. As mulheres sempre serão lembradas como aquelas que viram a esperança como quem vê o Reino dos Céus na sua frente.

Por essas e outras, temos aqui uma passagem que mostra que até hoje as mulheres são privilegiadas para entender a Páscoa. Afinal, ainda hoje somos condenadas pelos religiosos, mortas pelo Estado e silenciadas pela multidão. Da mesma forma, somos torturadas como Cláudia, publicamente, de forma de espetáculo. E, mesmo assim, estamos mais fortes do que nunca, sabendo que nosso espaço é o da militância para construir um novo mundo. Para nós, que somos crentes e feministas, esse novo mundo se refere à esperança do Reino de Deus, a qual, graças ao ressurgimento do Corpo de Jesus, ressurgirão todos os corpos oprimidos até que faremos um novo mundo, no qual seremos um com Deus. E este Reino já começa agora, ao produzirmos um mundo em que podemos falar para outros oprimidos: Ei! Deixa eu te contar. Eu vi, com meus olhos, que a esperança não morre assim. Que Deus resiste a esses poderes do Estado. Com a nossa fé e a nossa militância, seremos livres!

Assim, acredito com sinceridade que a militância e a fé andam junto. Que fé é esta que, tendo o foco no evento pascal como evento salvífico, não acredita que precisamos lutar por uma passagem libertadora daqueles que estão sendo mortos pelo governo? E que militância é esta que, por mais bela que seja, não tem em si a experiência de que o maior poder para lutar está conosco através de Deus, que vence qualquer opressão?

A Páscoa é o que move a militância cristã. Venho com o exemplo das mulheres, pois é propício com o próprio texto Bíblico, mas podemos pensar que elas eram negras, ao qual é muito provável. Podemos pensar em tantos outros que sabem, na pele, o que é via crucis. E estes entendem mais da crucificação do que eu e você. Aliás, Jesus mesmo já tinha anunciado que as prostitutas procederão os religiosos no Reino dos Céus. E é verdade, pois elas sabem bem o que é morte e a necessidade de esperança. Elas ressurgirão.


Com a Páscoa, todas nós ressurgimos!

obs: Em breve, vou colocar todas as referências Bíblicas :)

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