A complexidade de uma fé simples



Quem já quis simplificar algo na sua vida, sabe do que estou dizendo. Dizer um dia “vou ter um celular mais antigo, sem internet, menos complicado” é sinônimo de ouvir frases como: “Como vamos falar contigo sem Whatssap? E os trabalhos que são feitos em grupos do facebook? Também não verá seus emails? Está complicando sua vida.”. Ou, talvez, queira viver com menos roupas, menos produtos: “ficou louca? Vai repetir roupa no trabalho? Como você vai arranjar um namorado assim? Você está complicando sua vida.”. Se tornar vegetariana, então “vai comer nada? Que radicalismo. É tão mais simples comer de tudo.” Todavia, muitos desses que dizem comer de tudo, na verdade, não chegam perto de grãos, legumes, frutas e tantas coisas que seriam muito complicadas de ter no dia a dia.

É assustador perceber que é mais fácil encontrar o mais complexo. É bem mais fácil comprar um chocolate do que encontrar uma venda com frutas. É mais fácil você comprar algo feito de trabalho escravo na China do que alguém da sua cidade. É mais fácil se envolver num relacionamento, casar e ter esse status só por ter do que ouvir a vida inteira de que é um egoísta por querer viver sozinho.
Nesse sentido, vivemos a fé cristã vivendo a mesma loucura.

Ora, o que pressupõe a fé cristã? Crer em Cristo, certo? E Ele nos ligará ao Pai, tranquilo? E guardar os mandamentos, pois isso mostra que o amamos. Como resumir esse mandamento? Amar a Deus sobre todas as coisas, com todo seu coração e todo seu entendimento e ao próximo como a si mesmo. Então, se você tem isso atado em seu coração, vive para isso, ama enlouquecidamente esses princípios, pronto! PARABÉNS, VOCÊ É UM CRISTÃO!

Pois, é. Todavia, sabemos muito bem que não é assim que ocorre.
Afinal, como assim você se diz cristão e não espera para fazer sexo depois do casamento? E como se diz cristão e bebe? E não vai a igreja? E não ouve louvores durante a semana? E se diz feminista? É gay? Tem tatuagem? Fala palavrão? Se masturba? Pelos frutos conhecereis e você não pode ser cristão.

Se você for um cristão que acha que não tem os temas acima como uma grande crise de pecado na sua vida, para a maioria da população você é um herege, um crente complicado, que precisa de libertação. Isso quando não afirmam veementemente que não é possível ser cristão assim.

Darei um exemplo. Ele é a igreja. Em nenhum momento Jesus disse “vem, faça parte do meu grupo de discípulos porque vocês vão poder me cultuar juntos, é essencial. A brasa fora do braseiro perde sua força blá blá blá...”. Ele disse, sim, para segui-lo, deixar a quem for e sair para expressar esse amor. Agora, disso para ir a igreja, tem bastante chão no meio do caminho.

“Ah... Então com certeza você é um crente magoado com pastor. Viveu algo ruim na igreja, teve maus ensinamentos. Ou o Espírito Santo ainda não mora em você. É trauma, certamente. Rebeldia, de fato.” Ou não. Ou apenas quer ser apenas... cristão. Não precisamos disso.

Nesse sentido, me lembro de dois fatores que contribuíram grandemente para essa passagem ao cristianismo simples – que, no geral, é bem diferente do cristianismo “puro e simples” do C.S.Lewis. Um deles é um livro do Leonardo Boff, que marcou minha interpretação teológica, a qual ele aponta que a fé deve ser no mínimo do mínimo. Tudo que é casca, adereço, que vai além do primordial, jogue fora. Se não jogar fora, coloque como secundário. A chance disso atrapalhar sua fé é enorme. O segundo marco nessa minha forma de ver a fé é o uso de Jesus como chave hermenêutica de leitura da Bíblia – isso é, Jesus é a fonte da interpretação. Se a Bíblia tem trechos que Jesus não fala e não bate com o que Jesus falaria, não é de minha importância. Afinal, sou cristã, minha fé não é biblicismo, mas sim o cristianismo. Ele é o centro, único centro. Também falarei mais sobre isso ao longo dos meus posts.

Perdi a conta de tantas vezes que acharam absurda a minha fé, herética, complicada. Como sou mulher, isso piora porque somos sempre taxadas de loucas, levadas pelo sentimento e irracionais. Serei sempre insensata para os homens ortodoxos, mais uma para a fogueira.
Entenda. Não estou complicando a fé. Estou cuidadosamente retirando as cascas que tenho visto pelo caminho para, na medida do possível, chegar aquilo que é mais visceral, profundo e intenso da fé. Desculpa se você se acostumou com uma fé de muita casca, de muitas regras, de pouca liberdade. Não é esta a minha forma de viver a fé cristã – nem acredito que deva ser esta, mas não vou entrar nesse mérito.

E como lidar com estes que irão dizer que nem cristã sou? Eu rio, porque Deus sabe muito bem que me relaciono com Ele e é prioridade na minha vida. As vezes choro porque eu queria ser mais amada pelos meus irmãos – e aceita como irmã. É dia após dia se reafirmar, deixar o ódio não te abalar. Lembrar que sua rocha é Deus e não as pessoas que estão nesse mundo – sejam crentes ou não.

Pois é, é trabalhoso ser uma cristã simples. 

Comentários

  1. Olá Rebecca, tu nem imaginas a felicidade em encontrar textos que possam descrever o que sinto e o que penso sem poder externalizar da maneira correta.
    Quero ler muito mais! Deus te abençoe.

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