Pastorado em sofrimento





Ei, você já viu? A criança Genival brincava de ser pastor.

Subia no palanque, pegava o microfone.  E, agora com a internet, a gente vê fotos de criança o dia inteiro. Nem gosto de crianças, mas fazer o quê, é o mundo virtual. Filhos de amigos pastores sempre tem foto no púlpito, fazendo carão com a igreja toda rindo.

É engraçado, não? Tanta profissão para se sonhar.  Médico, astronauta, engenheiro, professor, pirata... E o bebê quer ser pastor.

Quando soube que meu ex-sogro, pastor Genival, brincava de ser pastor quando pequeno, logo ri. Ri porque nós, psicólogos, estudamos muito crianças, seu desenvolvimento e seus desejos. Aliás, um dos objetos de estudos mais clássicos para o psicólogo é o desejo, o libido, a pulsão sexual, como diria Freud. Afinal, o que nos move? E o que faz um homem nordestino, que mora na periferia do Rio de Janeiro, ter sonhado desde muito cedo com ser pastor?

Em sua fala ele foi convocado pelo pastor da sua igreja de origem para o trabalho eclesiástico e que largou tudo para a vocação pastoral. Pelo jeito, ele trabalhava com algum cargo administrativo antes. Porém, ele conta de uma grande mudança de vida, de ter trabalhado na favela, de ter recebido um milagre para a implantação de sua igreja e de ter sofrido bastante na primeira divisão que ocorreu em sua congregação, a qual muitos saíram para formar outra comunidade.

As histórias nunca são iguais. Meu avô contava de púlpito que recebeu o chamado pastoral transando com uma prostituta. Minha avó foi a primeira mulher a ser ordenada pastora na Igreja Presbiteriana Unida. Fiz Teologia e cada colega seminarista tinha uma história, um sonho, uma revelação, ou simplesmente uma porta aberta para conseguir dinheiro fácil. Até mesmo o seminarista que eu sai tinha uma história que eu não me interessei em saber.

E, no fundo o pequeno Genival. Por que, no fundo de cada história, tem um estereótipo bem caricato de pastor, bem tosco mesmo. O pastor é o homem (do gênero masculino) que fala, que representa, que sobe no púlpito , usa terno (Aliás, você já foi em algum casamento e viu alguém que parecia com pastor só porque estava arrumado?) e, principalmente, tem poder.

O poder é um divisor de águas quando o assunto é o pastorado porque este é ao mesmo tempo sedutor e destruidor. Tem, nele mesmo, uma capilaridade que afeta todos os membros e os coloca em lugares muito bem estabelecidos. O pastor que a criança imita não é o pastor que ora em secreto pelos seus membros, mas sim o que discursa enquanto os outros respondem. Na verdade, a criança está muito mais consciente de que está querendo se tornar uma figura de poder do que um adulto que diz que quer somente ser pastor para servir a Deus.

É claro que não podemos ser ingênuos e acreditar que existe somente um tipo de liderança religiosa, dominadora. O próprio Weber fala de vários tipos ideais e, ainda hoje, temos muitos relendo a sua teoria e propondo novas possibilidades de pastorados. Porém, é obvio que o poder está ali, latente. 
Mas o poder não é tudo. O pequeno Genival sequer imaginava.

Será que ele já viu um adulto chorar? Nesse domingo, um pastor amigo estava com o olho todo vermelho. Ele disse “sou pastor novo, não sei lidar com esse tipo de situação”. Curiosamente, soube que na Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro o pastor passou alguns minutos parado no meio da mensagem em silêncio, chorando. Isso, somente nesse domingo. Um pastor presbiteriano se matou recentemente no estado de Minas Gerais.

Há alguns anos atrás esse tema começou a me angustiar profundamente.

Deus nos faça orar pelos pastores.

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