Amar os inimigos e orar pelos que nos perseguem




 (Essa é uma adaptação de uma pregação realizada na Igreja Cristã Carioca)
 
Leitura de Mateus 5. 43-48
— Vocês ouviram o que foi dito: “Ame os seus amigos e odeie os seus inimigos.” 44Mas eu lhes digo: amem os seus inimigos e orem pelos que perseguem vocês, 45para que vocês se tornem filhos do Pai de vocês, que está no céu. Porque ele faz com que o sol brilhe sobre os bons e sobre os maus e dá chuvas tanto para os que fazem o bem como para os que fazem o mal. 46Se vocês amam somente aqueles que os amam, por que esperam que Deus lhes dê alguma recompensa? Até os cobradores de impostos amam as pessoas que os amam! 47Se vocês falam somente com os seus amigos, o que é que estão fazendo de mais? Até os pagãos fazem isso! 48Portanto, sejam perfeitos, assim como é perfeito o Pai de vocês, que está no céu.

Qual o contexto dessa pregação? Sermão do monte. Faremos uma pequena exegese do versículo 43 e 44

Amar (ágape) o que estão próximos, parentes ou amigos (plesion), Odiar (misésis) aqueles que são hostis, objeto de ódio e inimizade, inimigo mesmo (Extropo). Eu porém vos digo: amar (ágape) esse mesmo objeto de ódio (extropo) e (prosenxeste) (orar, suplicar, venerar, demandar, vem da raiz de “estar atento a”. A palavra prosenxes é, oração e, ao mesmo tempo, lugar da oração, templo) pelos que perseguem (diwkontow, que o que eprsegue, o que te faz de presa, que te saca, da mesma raiz de “temer”, fuga, repelir, fugir).

O primeiro mandamento em si já é dificil porque já não é fácil para nós amar essas pessoas próximas, que não são amigas, que não são parentes. O individualismo de nossa sociedade já faz ser dificil ser capaz de amar, por exemplo, todos nós da igreja por mais próximos e familiaes que vocês sejam. Ou mesmo a família, que evitamos encontrar.

Porém, o “eu porém vos digo”, nos dá outro nível de profundidade, ainda mais complexo e necessário num mundo em dicotomias, como a nossa sociedade brasileira.  

Que amor é esse que Jesus quer que tenhamos? Leiamos 1 Co 13. 3-10
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.

Deixemos o 1Co 13 aberto.
Percebe-se, algo muito mais profundo que a tolerância e até mesmo que o respeito. É o sentimento perfeito, ágape, o sentimento que somente Deus pode nos ensinar. E é o sentimento que Deus quer que tenhamos para ser perfeitos como o Pai, como diz em mateus.

Então este é o amor que Deus quer que demos para estes, como citei antes, que nos dão vontade de fugir, que nos fazem temer, que nos repelem.

E quem são essas pessoas? Vou falar a partir das duas maiores dicotomias que temos no nosso país de forma caricata porque a caricatura sempre é um exagero de uma coisa extremamente real e próximo.
Por exemplo, o museu de artes queer, no Santander, no sul. Aquilo, para algumas pessoas, é uma afronta, uma forma repulsiva de usar da arte para normalizar coisas perigosas como a pedofilia e a zoofilia. E, graças a esta exposição, jogam sua raiva em direção ao grupo LGBT como aquelas que estão em um complô para prejudicar a moralidade do Brasil. Esses imorais, que estão querendo destruir a tradição.

Porém, o amor, como falamos mais acima, não combina com esse sentimento. O amor não se ensoberbesse, não acha melhor que o outro. Não se porta com indecência, e, nesse caso, a maior indecência é a estigmatização dessas pessoas por causa de uma exposição. Não suspeita mal, logo não acha que todo homossexual é promiscuo. Tudo espera, tudo suporta. Isso é, o amor não força a barra.
Estamos no mês do setembro amarelo e os LGBTS no brasil são os que maior provocam suicídio. São um grupo enorme de risco para depressão. São um grupo que facilmente são expulsos de casa. Pessoas transexuais não conseguem emprego e tem que buscar empregos irregulares, que destroem o corpo porque a igreja – e eu culpo sim a igreja – não dá um passo atrás para sofrer junto antes de julgar.

“Ah, mas eu acredito que isso não é natural, essa coisa de gente homossexual e transexual está relacionada a ideologia de gênero.” Você pode até achar isso. Pode até achar que tem cura, mas o que fica não é a ciência, mas o amor. Porque, de fato, sabemos em parte. Não podemos confiar nesse conhecimento. Por isso eu pontuo aqui, com a lembrança de que se nem Deus preferiu o conhecimento ao amor, muito menos podemos nós, sem ter menor pesquisa sobre o assunto, propor reversão sexual para alguém. Muito menos isso pode ser proposto para uma classe, de psicólogos, que não são todos da mesma religião e não devem ser regulados por causa do cristianismo.

O caminho não é esse. O que Jesus falou? Amar por esses, orar por eles. Só. Podemos nos sentir perseguidos, mas o que Jesus ensina? Bateram na sua cara? De a outra.

O mesmo, por exemplo, a relação com as mulheres e a luta feminista. Tudo bem se você acha que o aborto é errado e ensinar as outras pessoas a sua volta que elas não devem fazer isso, porque seria pecado perante Deus. Perfeito. Mas não se irrite e odeie as mulheres que passarem por isso. Isso não é o amor de 1Co 13. Cadê os cristãos, contra o aborto, lutando por mais creches? Ou até mesmo ajudando com aquela sua conhecida que abortou e está estigmatizada pela família? Cadê o suporte para as mulheres negras, periféricas, que não tem dinheiro para o aborto e, quando quer parir, sofre violência obstétrica, como a Dai falou outro dia.

O amor não busca seu próprio interesse. Se a mulher quer abortar, não é meu interesse que vale, mas o dela. “Ah, não concordo”, mas é a bíblia. Paulo fala, onde não há lei, não há pecado. Isso é, se a mulher não é cristã, não dá para cair sobre ela um pecado da nossa religião. E a minha religião não pode ser lei para ela, sem que ela aceite Jesus como Senhor e Salvador.  Caso ela seja cristã, onde abunda o pecado, superabunda a graça. Ai a igreja entra para amar, orar, como falamos antes.
Isso é, podemos ser absolutamente contra as diferentes sexualidades e algumas demandas das mulheres, mas o amor e a oração! Ah, a oração! Ela nunca deve faltar.

E, agora, é claro, eu não posso deixar de dar falar umas verdades para o outro lado da moeda. A esquerda, esclarecida, “amorosa”, “pra frentex”.

Lembro da história de Jó. Vocês lembram os amigos de Jó? Conta a história que Jó, que começou a ter diversas desgraças e, então, veio seus três amigos que, por sete dias ficaram ao lado dele, em silêncio. Porém, depois desses dias, esses mesmos amigos, meios da tradição judaica, começaram a falar para Jó, na maior boa vontade, o que eles achavam do que estava acontecendo. Pessoas que ficam 7 em dias ao lado não são pessoas que querem mal, mas eram pessoas tradicionais, que tinham uma interpretação de mundo, segundo a torah, tradicional. É claro que isso causou um problema para Jó, ele ficou retrucando, mas se vocês lembrarem bem, no final do livro, Deus muda a sorte de Jó quando? Quando Jó orou por esses amigos. Percebe-se, a oração por aqueles que a gente não quer ouvir.

Nós, tão “amorosos” e “acolhedores”, temos tantos ou mais inimigos do que as pessoas mais tradicionalistas. Gente, nós amamos ninguém. Só amamos quem são iguais a gente. Nós somos extremamente treinados a ter os outros como inimigos.

Um exemplo bobo. Certo amigo meu, que tem namorada e é cristão, descobriu que eu mal tinha saído de um noivado e veio até mim falar mal da namorada e que estava apaixonado por mim. Eu, muito educadamente, falei que isso não era cristão, que isso era desonesto com a menina e que ele deveria se cuidar para não ficar se tentando e disse que iria me afastar dele para que ele pudesse pensar e mudar de ideia.

De acordo com minha militância em favor das mulheres eu deveria fazer algumas coisas: primeiro, apontar para ele que aquilo que ele fez tem nome e é machismo e que ele é machista, de forma estática, sem chance de mudança.  Outra coisa que eu deveria fazer: expor para a namorada que o namorado dela não é uma pessoa confiável, a fim de a preservar. E, por fim, expor para as mulheres do nosso circulo em comum para elas não caírem no papo desta pessoa e todas se protegerem.

Isso parece muito bonito, mas isso não é benigno. A pessoa deve sim, saber que aquilo é machismo, que deve ter verdade e luta pela injustiça, mas o perdão e a misericórdia sempre deve vir. O amor é o que aperfeiçoa e não a justiça. Quando eu dei essa chance para ele mudar de ideia e não fazer mais isso, de fato, ele parou. Se no futuro ele continuar desrespeitando as mulheres, vou de novo e de novo. 1 Co 13 diz “profecias passarão”, profecia é apontar o pecado do mundo. Dizer que é machismo é profecia. Mas o amor é o que une perfeitamente todas as coisas.

Nós feministas, brigamos com os homens, brigamos com outras mulheres, brigamos por diferentes tipos de militância, brigamos se somos de direita ou esquerda. Dizemos com uma facilidade enorme “minha militância é essa” e colocamos de lado, invisibilizamos outras lutas tão – ou como eu acredito, mais importantes até – como é a luta contra o racismo. “Não posso estar junto porque esse é de outro partido” e depois reclamam que as pessoas demonizam o PT, mas a gente demoniza todos os outros partidos. Todas essas brigas passarão quando chegarmos no céu. Por mais que essas vozes proféticas sejam necessárias, tanto que temos diversos livros de profetas, elas não são o fim em si. O amor é o fim em si. Isso inclui, como zuei antes, orar pelo Temer, pelo Crivella, pela polícia para que ela se perceba como uma classe marginalizada também e vença o racismo interno dela, pelos homens que não pagam pensão, que já foram cruéis contra nós. Você sabe o que Jesus falou que se um soldado romano pedir para andar uma milha, para andar duas? O soldado romano explorava o povo.

Entendam o que eu estou dizendo. Eu não estou dizendo que ninguém deve ter posicionamentos claros contra uma coisa que acha pecado. Devemos e devemos ser ferrenhos nessa missão que Deus nos deu. Mas o amor sempre é maior. O orar, suplicar, queridos, eu mal oro por todas as pessoas que amo, quiçá orar por alguém que me faz mal. 

Amar os inimigos e orar pelos que nos perseguem. Esse talvez seja uma das coisas mais difíceis para a situação de hoje.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Força

O que aprendi de minha crise espiritual de 2021 – Ou sobre um Jesus fora do presépio.

Os tímidos herdarão o Reino dos Céus