Teologia como sobrevivência.


Pregação do Broderick Greer, pastor negro e gay, na Gay Christian Network Conference em  7 de Janeiro de 2016 em Houston, Texas. Pedi autorização a ele diretamente para publicar e traduzir. 


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Eu sou Broderick Lee Greer, filho de Deus, batizado na Igreja Batista Mt. Carmel Missionary no dia primeiro de novembro de 1998 e, desde então, eu tenho sido firme para ser um fiel discípulo de Jesus Cristo. Eu conto isso porque eu acabei sendo “batizado” três vezes depois do dia primeiro de novembro. Eu conto isso porque enquanto alguns tentam “orar para afastar os gays”, eu – de forma dramática – tentei “afastar o gay em mim”. Conto isso para vocês porque eu sobrevivi – e tenho sobrevivido – a pressão de ser subjulgado pela teologia branca, heterossexual e patriarcal.

Eu conto isso porque eu tenho um sentimento, dado que você está aqui, que você é um sobrevivente também.

Venha!
Celebre comigo que todos os dias
Algo tentou me matar e não conseguiu

Diz o poeta e o profeta Lucille Clifton. Algo tentou me matar e não conseguiu. Nos últimos anos, eu me senti forçado a confrontar coisas que tentaram me matar: os construtos brancos, heteropatriarcais capitalistas na teologia, os líderes religiosos abusivos, os especialistas sem coração, organizações de ordem que utilizam de força militar. Tudo isso me fez concluir, nas palavras do teólogo David Guetta : “I am titanium”.

Há alguns anos atrás, estive sentado com o meu mentor espiritual no escritório e ele me passou na minha escrivaninha e me fez marcar uma entrevista com um teólogo britânico, James Alison. Quando perguntado sobre o que o levou para a vida acadêmica, de um jeito muito honesto, o querido Alison respondeu “Eu... não sei exatamente o que me trouxe para a vida acadêmica. A Teologia tem sido uma forma de sobreviver para mim.”. Nesse momento, eu percebi que como o Alison, eu faço teologia como forma de sobrevivência. Como ele, essa jornada não tem sido cheia de questões acadêmicas e de objetivos profissionais como tem sido as idas e vindas no relacionamento com Deus: desolação e consolação, vida e morte, oásis e deserto.

Enquanto alguns fazem teologia como forma de perpetuar poder e privilégios, outros como nós fazemos como forma de sobrevivência.Em nenhum momento dos meus poucos vinte e cinco anos que eu pensei sobre e refleti sobre Deus, as Escrituras, a Igreja ou a vida que não esteve interligada com as realidades que fazem intercessão com minha própria experiência de vida.
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Eu lembro quando fui calouro na universidade e passei seis semanas na capela da universidade, chamada Church of Christ. Nesse tempo, o ministro local passou dois dias falando sobre homossexualidade. Um dia de cada vez ele dizia que o homem gay médio tinha nada menos do que quarenta parceiros sexuais por anos e falou detalhadamente sobre sexo anal.

Como um estudante, procurei sobre a questão que o ministro falou no Google, desesperadamente preocupado com minha experiência como uma pessoa que estava se descobrindo como gay. Isso me levou a procurar um grupo de membros da Church of Christ em Manhattan que estavam estudando atração por pessoas do mesmo sexo e a Bíblia.

Meses depois, eu tive uma longa conversa com o facilitador do grupo de estudos, conversação esta que eu – gay, negro e estudante de uma universidade rural no Tennessee – falei para o pastor formado em Nova York que me entendia como gay e que precisava descobrir como eu continuaria vivendo como uma pessoa batizada. Por minha causa, minha forma de entender minha orientação sexual e minha prática como cristão foram me tornando cada vez menos um show e cada vez mais uma dança estranha de formatura.

Durante esse período de descoberta, comecei um trabalho difícil sobre refletir acerca das frases que ecoavam meu coração durante anos:

“Eu sou um fracasso.”, “Eu vou para o inferno.”, “Não há esperança para mim.”, “Deus só vai me amar se for heterossexual.”

E então, por alguns momentos, eu me dava o direito de me questionar. Me questionava se essas frases eram realmente verdades. “Eu realmente sou um fracasso?” Eu questionava para Deus “Eu realmente vou para o inferno? Realmente, não há nenhuma esperança para mim? Você realmente só vai me amar se for heterossexual?”

Essas são as perguntas daqueles que fazem teologia como forma de sobrevivência, como desafios que temos na presença de Deus e da igreja, provocando-os a nos olhar nos olhos e dizer a verdade. Essas são questões de pessoas corajosas, pessoas que tem vivido o lado profundo da experiência humana, pessoas que desejam um espaço para amar e ser amado. Essas são as perguntas amargas que normalmente nos preservamos de perguntar nas classes de domingo.

Teologia como forma de sobrevivência é Jacó falando com o anjo do Senhor “Eu não vou sair até você me dar a benção”. Teologia como sobrevivência é Jó fazendo queda de braço com Deus , demandando uma resposta ao seu sofrimento enquanto Ele olhava. Teologia como sobrevivência é Maria, a abençoada mãe de Deus, entendendo sua revolucionária gravidez em meio a brutal ocupação do Império Romana. Teologia como sobrevivência é Raabe, que era mais uma meretriz do que uma heroína, que mentiu para manter um grupo de estrangeiros vivos.

Fazer teologia como forma de sobrevivência é fazer teologia como algo de vida ou morte. É dar sentido nas feridas feitas por pessoas as quais deveriam dar amor, atenção e cuidar de nós.
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Eu descendo de pessoas escravizadas. De pessoas linchadas. De pessoas racializadas. De pessoas que aceitaram um Jesus que seus escravizadores brancos apresentaram – um Jesus branco, feliz de os ver sofrendo a fim de manter a ordem social e econômica – e o transformaram não mais em um escravizador mas em um emancipador. Eu sou descendente de pessoas que criaram músicas litúrgicas que não estão em grandes catedrais ou em impressionantes basílicas, mas que vieram do trabalho de campo do Texas a Virgínia.

Pessoas que choravam e diziam “Ninguém viu o que passei/ Ninguém a não ser Jesus” e “Diga ao faraó/ Deixe meu povo ir”. Povo que cantava “Antes de ser escravo/ Eu prefiro morrer”. Pessoas que não sonhavam com o céu bonito quando morrer, eram pessoas que esperavam uma casa livre dos problemas dessa vida.Não. Eles esperavam que Deus agisse decisivamente, na história, para libertar das garras do terror branco.

Para essas pessoas, a teologia era mais do que um exercício intelectual. Elas não tem o conforto de torres de marfins. Elas só tem um ao outro: a família e a comunidade formada durante a instituição da áfrica escravizada. E é isso que as pessoas “sem poder” tem que fazer: teologia do dia-a-dia, sem livros, seminários. Teologia das ruas, na cara das pessoas de vestes brancas. Teologia depois de ter sido jogada para fora a fim de manter uma pura orientação sexual e de gênero, ignorando nossas vidas.

É nesse lugar que construímos nosso sentido a respeito de Deus, certo? Poucos de nós tem o luxo de fazer teologia como esporte, de teorizar como cristãos devem e não devem entender Deus e sua forma de agir nas nossas vidas. O resto de nós – as pessoas do dia a dia não tem essa elaboração do que experienciam – fazem teologia com o que tem: um ao outro. E isso acontece no caminhar da vida: nós colecionamos pedaços de nossa vida devastada, a vontade de ser hétero, de ser cis, de ser branco, qualquer coisa menos quem somos.

Se você tem uma Bíblia, coloque em Atos 8. Um mensageiro de Deus aparece no verso 26 falando para São Filipe para ir numa estrada desértica. Enquanto vai ao longo dessa estrada, São Filipe encontra um eunuco etíope, um religioso de sexualidade diferente vindo da África.  Nesse momento da história, poucas pessoas leem como fazemos hoje, individualmente, então São Filipe ouviu o que o eunuco lia em voz alta, que era o profeta Isaías. Como qualquer bom professor de Bíblia, São Filipe pergunta “Você entende o que lê?”, “Como entenderei se ninguém me explica?” respondeu espertamente o eunuco.  E então o autor de Atos dá um pedaço da passagem que o Eunuco estava lendo:

“Como ovelha, ele foi levado ao matadouro e como cordeiro foi levado mudo diante do tosquiador, sem abrir a sua boca. Na sua humilhação foi tirado o seu julgamento. Quem contará a sua geração? Porque a sua vida é tirada da terra.”

E como pode o eunuco não se ver nessa passagem? Como ele pode não ler sua própria experiência de castração, de ser uma sexualidade secundária, de ser marginalizado nesse texto? Isso pode ser o motivo pelo qual ele pergunta, no verso 34 “De quem, se eu posso perguntar, diz esse profeta, de si mesmo ou de outro?”. Além de aprender que esse eunuco é educado, nós aprendemos que ele questiona, mesmo curioso onde ele se encaixa na economia de Deus. Ele está fazendo teologia como sobrevivência. Isso é sobre mim? Sou eu que estou sendo levado ao matadouro? Sou eu que estou sendo negado a justiça?

Agora, abra sua Bíblia em Isaías 56. Lembre-se que São Filipe e o eunuco estavam lendo essa passagem, quando não havia separação de capítulos e versículos. Isso significa que é bem provável que São Filipe e o eunuco passaram por uma passagem interessante começando perto do verso 3:
“Não fale ao filho do estrangeiro que houver chegado ao Senhor, dizendo ‘De todo povo me aparará o Senhor o seu povo’, tampouco diga o eunuco ‘Eis que sou uma árvore seca’. Porque assim diz o Senhor a respeito dos eunucos que guardam o sábado e escolhem aquilo que me agrada e abraçam meu concerto: Também lhes darei na minha casa e dentro dos meus muros um lugar e um nome, melhor do que o de filhos e filhas, um nome eterno darei a cada um deles que nunca se apagará.”

“De quem, se eu posso perguntar a você, esse profeta está dizendo, de si mesmo ou de outro?” Em algum momento, eu posso imaginar São Filipe indo até o eunuco e dizendo “Você, é sobre você.”
Agora, volte ao texto de Atos 8, versículo 35 “Então Filipe começou a falar e começando por esse texto, ele proclamou a boa notícia acerca de Jesus. E, enquanto eles iam pela estrada, avistaram água e o eunuco disse: “Olhe, aqui tem água! O que me impede de ser batizado?”.

O eunuco – uma pessoa com uma sexualidade não convencional e africano – questiona seu direito de ser batizado nas águas. As águas de pertencer. As águas de um renovo. Águas de amor. São Filipe o acompanha pela história de Jesus nas palavras, mas também acompanha na ação. Que é o que todos os sacramentos de fato são: formas visíveis de uma profunda e invisível realidade, de que toda a criação é amada profundamente. Que nós pertencemos. Que nós fomos nascidos não para brigar, mas para amar e sermos amados. De que temos lugar a mesa de Deus.

Esse é o motivo pelo qual a igreja durante os anos tem dito – como no Credo Apostólico – que só há um só batismo. Não quatro, Broderick. Um. Nós apenas nos ligar uma só vez porque Jesus só o fez uma vez. Porque somos amados uma vez só e para sempre. Então, direi novamente, eu sou Broderick Lee Greer, filho de Deus, batizado na Igreja Batista Mt. Carmel Missionary no dia primeiro de novembro de 1998 e desde aquele momento eu tenho sido firme a ser um fiel discípulo de Jesus. E eu faço teologia como forma de sobrevivência porque se as pessoas podem produzir uma teologia que produz brutalidade contra negros, transgêneros, queer ou qualquer minoria, também podemos fazer uma teologia que nos leve para a libertação comum.

Eu escrevo, canto, oro e rio de modo a lembrar a mim mesmo que sou um ser humano complete, amado profundamente por Deus. E eu – como o eunuco – posso perguntar com meu coração e alma “De quem, se eu posso perguntar, esse profeta fala, de si mesmo ou de outro?” E Deus irá responder: “Sim, sim, sim!”
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AVISO IMPORTANTE: O texto não tá completo. Uma parte que falava sobre a violência contra negros nos Estados Unidos era bem grande e de difícil tradução. Retirei por não ser capaz de traduzir plenamente, mas recomendo para quem tem interesse!

Traduzido por mim, horrivelmente

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