[descobertas] Anarquia e Cristianismo


Havia flertado com o Anarquismo no início da faculdade porém não segui em frente com os estudos. Recentemente essa chama pelo Anarquismo reacendeu de uma forma bem estranha e pouco política.
Quando iniciei meus estudos com cristãos sem Igreja, trabalhei principalmente com o livro do Cristianismo Pagão do Frank Viola e o Igreja Orgânica do Neil Cole, os dois autores Norte-americanos. Aos poucos fui percebendo como este movimento tinha um lugar nos Estados Unidos particularmente e, quase que espontaneamente, também percebi que nesses livros não havia um interesse estrutural e política na forma de se entender o Reino de Deus. A mudança era basicamente no conceito de Igreja e como isso se manifesta em sociedade.

Assim, o questionar a autoridade do Pastor, para Frank Viola, não tinha nenhuma proximidade com o recusar a autoridade de um patrão. Porém, para mim, eu não conseguia fazer essa dissociação. Por isso, fui procurar a forma de organização que mais questionava os lugares de autoridade, priorizava o coletivo e tinha um engajamento social claro: o anarquismo.

Ao adentrar no tema do anarquismo, logo damos de cara com um slogan bem claro: Nem Deus, nem Patrão. E vem a pergunta: Então, se esse anarquismo não consegue me dar resposta, quem pode me dar? Foi então quando eu comecei a procurar respostas e achei que existiam cristãos anarquistas. Me adentrei em grupos no facebook, acompanhei discussões, páginas e comprei um livro bem clássico dessa área chamado “Anarquia e Cristianismo”, do Jacques Ellul.

Jacques Ellul é um homem a frente de seu tempo. Este nascido em 1912 , sendo sociólogo e teólogo, esteve engajado politicamente com a juventude de esquerda e, posteriormente, com o Anarquismo – que, para quem não sabe, não é nem direita nem esquerda. Além disso, tem uma ampla obra sobre as tecnologias, o que é algo bastante interessante, pois ele morreu em 1994 sem ver a enorme expansão dessa área.Porém, o que é curioso nesse livro de pouco mais de 120 páginas é como este se direciona para construir sua narrativa acerca das proximidades do cristianismo e do Anarquismo.
Ele inicia dizendo que o livro não serve para convencer anarquistas do cristianismo nem cristãos acerca do anarquismo, apenas uma exposição de ideias.  Até explica para pessoas leigas, como eu, de onde surgiu todo esse desgosto de ambas as partes. E, também, é muito interessante o quanto ele traz um anarquismo prático e até mesmo pouco utópico – o autor não acredita ser possível uma sociedade anárquica. 

Porém, o que realmente me chama a atenção do livro é que ele vai construir sua argumentação acerca dessa aproximação a partir da Bíblia a qual ele chama de “fonte de anarquia.”. Este é um caminho tão improvável que o autor teve que gastar o livro inteiro desconstruindo todos os textos da Bíblia que falam de hierarquia, autoridade e poder – todos mesmos, desde a Bíblia Hebraica até Paulo. É bastante impressionante, principalmente porque é muita interpretação inesperada sobre os textos. Para quem possui a mente aberta, é legal para se observar o fenômeno de outros modos. Quem possui a mente muito ortodoxa, recusará todas as interpretações possíveis do Jacques Ellul. Para quem, também, tem a mente pouco preparada quanto a métodos interpretativos, também pode acatar as interpretações dele sem pensar muito. No meu caso, fico com o meio termo, cresci bastante com as interpretações, mas não concordei com todas. Apesar disso, fica o mérito do Jacques Ellul porque é bem claro durante o livro que ele tem vasto conhecimento sobre Bíblia, bem mais do que eu.

De forma também bastante curiosa, os apêndices finais dos textos tratam de análises de do texto de Romanos 13.1-2 de Karl Barth e de Alphonse Maillot, que estão muito longe de serem anarquistas. E, por fim, o mais improvável possível no mundo: um relato de um padre anarquista. Um padre. Um anarquista. Empregado da maior instituição religiosa do mundo.

Vou colocar aqui uma citação do livro dentre muitas que podemos falar sobre o livro, sem ter que dar spoiler!

“As ‘autoridades’ são enviadas por Deus como flagelo para punir o homem mau. Mas os cristãos, a partir do momento em que se conduzem para o bem e já não são maus (!), não precisam obedecer em nada as autoridades políticas e devem organizar-se em comunidades autônomas à margem da sociedade e dos poderes constituídos.” (ELLUL, 2010, p.12)


Por fim, retomei a minha questão. Ora, em nenhum momento se falou sobre a comunidade de fé, sobre como a anarquia lida com o conceito de Igreja. Tentei questionar dentro de um grupo anarquista cristão e, também, não tive respostas claras. O foco é sempre na liberdade e não apareceu em nenhum momento um desejo de uma produção diferente de igrejas, pois os coletivos de discussões anarquistas seriam suficientes. De minha parte, fiquei ainda cheia de perguntas, mas gostei muito de conseguir ter pensado mais sobre isso. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Força

O que aprendi de minha crise espiritual de 2021 – Ou sobre um Jesus fora do presépio.

Os tímidos herdarão o Reino dos Céus