Os armários de minha igreja – entre fé e segredos




Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum.
At 2.44

Eu amo homens e mulheres. Amo o desejo e os seus plurais. Amo os segredos do universo, as místicas das plantas, os números por traz de cada respiração. Amo duvidar e gosto de segredos bem guardados. A questão é que eu tenho medo. Essa é a verdade. Eu tenho medo, muito medo, mas...
De quem eu tenho medo?

Um medo ressoa muito forte quando pensamos no relacionamento de igreja, de irmandade entre cristãos: o escândalo. É um tema que não só Paulo reafirma, mas como foi preocupação para o próprio Cristo que seguimos:

Mas, qualquer que escandalizar um destes pequeninos, que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma mó de azenha, e se submergisse na profundeza do mar.
Ai do mundo, por causa dos escândalos; porque é mister que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem o escândalo vem!
Mateus 18:6,7

Uma palavra desta nos deixa enfaticamente alerta para o poder que possuímos na espiritualidade de outras pessoas, na qual estaríamos sempre em dois pontos tênues: de edificação e de destruição. Digo tênues porque as relações humanas são sempre a partir do mistério quase total do que realmente temos como impressões e sentimentos. Se alguém nos tenta ou nos alivia, somente você mesmo saberá.

E nesse meio temos essa figura enigmática de Jesus. Alguém que estava entre os apóstolos, amava como ninguém amou e ao mesmo tempo tinha que sempre escolher: demonstrar ou esconder a divindade de si. O que me intriga a escrever é o fato de que nenhuma das duas opções era errada em si, afinal Jesus não errava. O errado em si está no olhar que é posto sobre as nossas escolhas.

A candeia do corpo são os olhos; de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz;
Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que em ti há são trevas, quão grandes serão tais trevas!
Mateus 6:22,23

Até certo ponto, algumas igrejas entenderam que as coisas não são erradas em si, mas sim no fato de querer mal ao outro e sua relação com Deus. Entendemos que guitarra não é do diabo, que brinco não é uma vaidade vulgar e afrontosa, que uma tatuagem é aceitável ao decorar o Templo do Espírito Santo. Nossas igrejas avançaram muito em perceber que é o altar que santifica a oferta e não o contrário (Mateus, 23), isso é, a pessoa santifica as ações e não as ações que santificam as pessoas.
Porém, mesmo com esses avanços lentos que a igreja criou, temos ainda pontos intocáveis, escandalosos, terríveis que não são citados porque destruiriam a igreja. A questão todavia de não tocar nestes pontos é que vidas tem sido afastadas de Deus, esmagadas em solidão e abandono por medo, coisa esta que Jesus jamais fez. Ele de fato não falou de tudo, mas nunca deixou de tocar em pontos sensíveis da sociedade, pois quando este falava, demonstrava que era o verdadeiro messias para todos. Um exemplo bíblico disso é o “bom ladrão”.

E um dos malfeitores que estavam pendurados blasfemava dele, dizendo: Se tu és o Cristo, salva-te a ti mesmo, e a nós. Respondendo, porém, o outro, repreendia-o, dizendo: Tu nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenação? E nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o que os nossos feitos mereciam; mas este nenhum mal fez. E disse a Jesus: Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino. E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso. Lucas 23:39-43

O ladrão não é salvo pelas suas obras, mas por crer. Jesus não pediu arrependimento, provas, explicações do porque estava salvando esta pessoa e se de fato o ladrão tinha mudado de comportamento. Esta é uma exigência nossa, sabemos que isso não é uma exigência de salvação, como vemos em Romanos 1.17.

Nesse ponto, primeiramente, vemos que Jesus não teve medo do escândalo no amor, no acolhimento, na verdade e até mesmo na salvação. Jesus disse que perdoava pecados, curava, ressuscitava, andava com prostitutas, enfim, tudo o que poderia ser ponto sensível.

Isso vai se expressar depois na igreja primitiva. Quando Ananias e Safira foram desonestos com a igreja e, é claro, com Deus, sua consequência é a morte. Assim como para Adão e Eva, como para Abraão, Moisés, Davi e todo mundo. O fato de não tocarmos em certos receios, desejos, inverdades e ideias nos faz cairmos em desgraças após as desgraças. Vemos isso em Hebreus:

Portanto, acheguemo-nos a Deus com um coração sincero e com absoluta certeza de fé, tendo os corações aspergidos para nos purificar de uma consciência culpada, e os nossos corpos lavados com água pura. Hebreus 10.22

E, infelizmente, a igreja hoje tem sido um dos lugares que mais temos receios, medos e travas para realmente abrirmos nossos corações e, muitas vezes, falarmos de coisas que nem são ruins para nós. O desejo sexual pode ser maravilhoso e abençoador. A paixão por uma pessoa do mesmo sexo pode ser absolutamente sincera e verdadeira. Algumas crenças particulares podem fazer até muito sentido. Algumas lutas sociais podem estar até muito relacionados com nossa fé. A gente pelo menos poder abrir a porta desses armários. Se os nossos armários têm feito pessoas ficarem sufocadas, abaladas espiritualmente e falsas em nossas igrejas, nosso cumprimento do mandamento do Senhor é nulo. 

Afinal, aqueles que tem os mandamentos do Senhor e o guarda, este é o que me ama (Jo 14.21). E quem ama a Deus, tem que amar profundamente o outro. Profundamente. Daqueles amores que sabe do outro como ele é e o aceita. Daqueles amores que dialogam para encontrar um caminho que seja feliz para os dois. Deus manda, mas Deus também dialoga com aqueles que tem relacionamentos com ele. Vemos um exemplo disso com Moisés e Abraão quando falavam acerca do povo infiel.

A escolha pelos segredos deve ser pessoal, saudável, correspondente a um estilo de vida honesto. Jesus não deixou de ser honesto como Filho de Deus por não ter falado tudo, mas ele falou o que era necessário para que os seus os reconhecesse. Isso não significa aceitação necessariamente, mas como igreja dá oportunidade de acolher ainda mais as diferenças, de estudar ainda mais para entender e lutar ainda com mais afinco pelo desejo de cumprir o mandamento maior.

Todos nós temos coisas dentro do armário quando vamos a nossa igreja. Mas convido a nós que entremos em um fluxo de sinceridade mútua:

Eu, como cristã, quero ouvir com amor quem você é, sua história, sua teologia e seus medos porque eu te amo e amo a Deus.
E
Eu, como cristã, quero ser livre para ser quem eu sou, honesta perante a ti e a Deus, porque só sei amar me mostrando por inteira.

Que Deus nos abençoe.

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