Os tímidos herdarão o Reino dos Céus
Por que sois ainda tímidos? Ainda não tem fé? (Marcos 4:40b)
Introspectivo. Covarde. Fraco.
Medroso. Fechado. Misterioso. Metido. Isolado. De Má vontade.Sem fé. São termos
que pessoas que são tímidas já ouviram alguma vez na vida.Somos péssimos, somos
tímidos. O mundo não é feito para
pessoas como nós.
Eu me lembro do grande incômodo
da minha família com o fato de eu não ser uma criança sociável e falante como
minha irmã. Aos cinco anos, a escola que eu freqüentava convocou meus pais fala
que estes procurassem uma fonoaudióloga para mim, pois eu não me comunicava com
meus colegas de classe. Diversos vídeos de aniversários meus quando menor eram
tristes demais, pois eu quase não aparecia e falava. Durante muitos anos achava
que era uma criança estranha, só depois tive consciência de que era um jeito introspectivo
apenas.
As pessoas normalmente não
percebem que personalidade tem características que consideramos na área de
saúde como biopsicosocial (OMS). Isso é, tem um caráter importantíssimo
social, psicológico, mas também se relaciona com nossa composição biológica. Em
uma família, como a minha, que tem gerações de pessoas com depressão, a chance
aumenta em 40%. Tem pessoas que nascem com o humor mais melancólico que outros.
Da mesma forma, a timidez (no
caso, a introspecção) é uma característica do mesmo nível, com fatores muito mais profundos do que uma má
vontade acerca de algo. Então, eu logo suspeito quando contam a história de
uma pessoa tímida que se tornou conferencista famoso, extremamente popular e
falante, pois isso não corresponde muito bem ao espectro de opções dentro da
personalidade de alguém introspectivo.
Mas, então, o que seremos de nós,
crianças de personalidade introvertidas? Estamos fadadas ao fracasso? Não. Como citei, é uma questão biopsicosocial.
Você ainda tem muita chance de crescer numa família amigável, com pessoas que
te dêem confiança e te aceitam como é. É claro que nenhuma vida é perfeita, mas
se você pelo menos não sofreu nenhum abuso ou violência grave, suas questões sociais te favorecem a ser
alguém minimamente extrovertida. E, mesmo que ocorra algo terrível com sua
vida. Se você tiver uma boa estrutura
psicológica, ela te ajuda a compensar as questões biológicas e sociais.
Há ainda autores que acham que os
fatores sociais, biológicos e
psicológicos não são suficientes para determinar se alguém vai ter saúde ou não.
Alguns colocam ainda os fatores ecológicos – isso é, do contato daquela pessoa
com um ambiente favorável – e o espiritual.
Isso faz muito sentido para quem
desenvolve espiritualidade porque são
muito comuns relatos de mudança de personalidade em conversões. Por
exemplo, uma pessoa antissocial, viciado em alguma droga, às vezes sente em
Deus a força para sair daquela situação e se restabelecer na família, procurar
um emprego. Ou mesmo alguém que no trabalho não tem nenhum prestigio social,
aonde se mantém isolado, mas na comunidade de fé dela, sentir que Deus a
capacita a falar com poder. Por mais que
a produção de conhecimento que rejeita a espiritualidade diga que isso é um
fator social, o fiel vai dizer que veio de Deus. E é ele que importa.
Porém, é evidente que a espiritualidade pode ser um fator extremamente
prejudicial a vida da pessoa. Uma pessoa introvertida e que sofreu muito na
vida, sem menor estrutura psicológica pode chegar a uma igreja e ouvir que Deus
é aquele ser que condena tudo aquilo que ama. Então, se você é alguém que não é
confiante, vai se sentir ainda menor. Ou, por exemplo, se você é uma mulher tímida
e sempre te disseram que quem deve falar é o homem, irá se fechar e isolar
ainda mais. Assim, Deus será um homem que só vai falar enquanto você ouve, que
não te deixa a vontade para mostrar seus sentimentos. Sua espiritualidade te
será tóxica, abusiva.
Provavelmente, nesse caso a
pessoa acaba deixando aquela comunidade em que vivia assim e se sentindo
culpada por essa situação. Caso haja esperança ainda, vai procurar outra igreja
ou, se não, tudo bem. Ninguém é obrigado a ir atrás de uma vivência similar a
que te fez mal. Se um tímido for
procurar uma igreja, depois de tudo isso, provavelmente esse é um ato muito
significativo para ele. Afinal, sendo este introvertido, é um sinal de que
realmente quer um lugar para viver a espiritualidade bem.
E surge, então, a outra barreira
clássica que é a socialização no espaço
novo. Nesse momento, logo te vem a memória todas as vezes que te excluíram
no recreio, que te rejeitaram para namorar e te caçoaram no retiro da antiga
igreja. Começa a nova saga de se aproximar de gente desconhecida ou de entrar
em contato com aquele amigo que está conversando com todo mundo, apenas para
não se sentir ainda mais excluído. No outro lado do jogo tem uma igreja
consolidada, que tem os grupos já bem configurados e que também não sabe muito
bem o que fazer com visitante além de um abraço. Aliás, esse abraço é péssimo
porque o que visita sabe que é falso.
Fica num jogo de tentativa e erro. Ás vezes a igreja pega o
telefone do visitante e não liga. Outras ligam no primeiro mês, você freqüenta,
mas não te inserem nas atividades. Que
péssimo, o problema com certeza sou eu. Por que as pessoas estão tão bem
nas igrejas e eu não? Deus deve estar me condenando pelo fato de eu ser
introspectivo. Afinal está escrito: os tímidos não herdarão o Reino dos Céus.
Mas que tímidos são esses? No
Evangelho de Marcos 4:40 e no Apocalipse de João 21.8 tem o mesmo termo que é a palavra em grego δειλός,
bem traduzido por “movido pelo medo”, como alguém
que perdeu o que é preciso para seguir a Deus. É o excesso de receito que paralisa. Alguém que desistiu da luta,
um covarde. Nesses dois textos
ele não fala sobre timidez, mas para não desistirmos. E, no caso do
evangelho de Marcos, que Jesus está conversando com discípulos durante a
tempestade, em um momento que eles estavam, realmente, achando que aquele seria
o fim deles. Porém, o que fez estes discípulos não desistirem de vez não foi o
fato de eles serem fortes, corajosos, mas de saberem confiar em Jesus. Deus
sabe que nós sofremos, que vamos falhar e querer desistir. Sabe também que
muitas vezes damos murros em ponta de facas achando que isso é sinal de fé, de
que não somos fracos.
Porém, a verdadeira fé não é esse esforço louco que nega nosso jeito, como
somos e nossa história. A fé é se segurar em Jesus e confiar que ele vai fazer
algo que tenha sentido para nós, pois ele chamou cada um de acordo com seu dom.
Muitas vezes a fé é comparada com
uma árvore que cresce. Quem
acompanha alguma planta sabe como é um
processo tímido, devagar e sempre. Tudo tem seu tempo determinado debaixo
do Sol. É difícil aceitarmos isso num mundo que exige que sejamos expansivos,
sempre prontos. Porém, para Deus é muito mais interessante uma oração sincera
de um servo trancado no quarto do que gritando na rua. Alguns serão pregadores,
outros irão cozinhar, outros ainda receber em casa e terá aquele que dá abraço
na entrada do culto com vontade. Mas com vontade mesmo, com amor.
E tudo isso será um processo,
como de uma árvore que cresce, como de um grão de mostarda.
Então, não acredite que seu jeito está errado, que o fato de ter sido difícil
sua trajetória que o problema está na sua personalidade. Só vai na fé e
continue tímido. Porque dos tímidos é o Reino dos Céus.
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Esse texto é um agradecimento a todos aqueles que visitam meu blog. Esse mês faz um ano de existência. São quase 6 mil visualizações e para uma pessoa tímida, que sofre de depressão, é muito importante. Obrigada a cada comentário, cada crítica. Obrigada mesmo.
ESCREVE LOGO UM LIVRO MELDELSDOCEU. O mundo precisa de vc
ResponderExcluirobrigada, amiga <3
ExcluirGratidão pelas palavras que confortam e que fazem refletir.
ResponderExcluirMuito bom, um dia se puder, acho importante falar mais sobre a introversão. Que tema esquecido, mal tratado no meio evangélico. Me lembro o sentimento diminuidor de não conseguir subir ao palco e dar testemunhos, era pensar em dar o nome a secretária(o) e chegar perto da mesa, que dava um pavor e depois, meio que sentindo como um criminoso por desviar-me da recepção.
ResponderExcluirObrigado!!