Estudo Bíblico: Saúde mental e a igreja
Gostaria de começar a fala sobre saúde mental com um testemunho, que é na verdade uma apresentação minha. Antes de ser a namorada do Felipe, ou ser uma psicóloga, eu sou uma mulher crente, de uma família muito, mas muito crente. Minha família tem história vinda de vários lugares. Meu avô materno é descendente de italiano, mas o sangue que percorre na minha veia é nordestina. Todos meus avôs e minhas avós eram nordestinos brabos mesmo, de trabalhar muito, de valorizar a família e de levar a religião muito a sério. Uma família que grande parte quis virar padre, ou freira ou trabalhavam na igreja. Meus avôs e minhas avós vieram para o rio para crescer na vida e viraram evangélicos, mais especificamente presbiterianos. A família do meu pai teve uma passada pela assembléia, mas acabou fixando na presbiteriana.. Desses, dois avôs e uma avó pastora. A outra avó foi freira antes de casar. Deles sairam filhos evangélicos muito sério no trabalho da igreja: minha mãe e meu pai. Um presbitero e uma mulher ativa na ação social no Abrigo presbiteriano. Tenho uma irmã que canta no coral da igreja, estou namorando um seminarista e eu, no meio do caminho, fiz teologia.
Uma família de crente, bem certinha, clássica e tradicional. Mas eu queria contar um outro lado que não aparece muito quando falamos de família na igreja. Na minha família, tivemos e ainda temos alguns casos de depressão, com uso de medicamento. Casos de síndrome do pânico, pessoas que tiveram um surto psicótico e estão sumidas e gente que tentou se matar e, pior, gente que conseguiu se matar. Numa família crente, de Deus.
Cada um de vocês sabem aonde o calo aperta na família: alguns tem problema com tabaco, alcoolismo, problemas com pornografia, histórias de traição, heranças de comportamentos e de genética mesmo - por exemplo hipertensão. E, sabendo disso, o que fazemos? Eu sei que a depressão está dentro de mim há muito tempo, a grande questão que quero pensar com vocês é como não deixar isso te destruir, isso dominar sua vida. E, como uma profissional da psicologia, vou ajudar vocês a terem alguns conhecimentos importantes para que possamos ter uma vida em abundância. Acreditamos que Jesus é mestre dos mestres, mas vamos para a escola, certo? Acreditamos que é o médico dos médicos e vamos no hospital. Então acreditamos que Jesus é o maior terapeuta, mas usa essa ciência para cuidar da gente.
Nós, acima de um sentimento de estar bem ou de alguma energia, temos 5 anos de estudo que nos dá algum preparo para, mesmo estando mal, a gente consegue ouvir um paciente dizendo que está mal ou quer morrer. O pastor, um amigo ou alguém podem e devem contribuir para a saúde mental das pessoas ao seu redor, mas tem suas diferenças devido a peculiaridade da profissão.
Ler: Lm 3.22 e 23
O que é saúde mental?
Então, o que podemos entender como saúde mental? A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Isso é, saúde não é falta de doença. Uma pessoa que não tem depressão pode ter uma péssima saúde mental e uma pessoa com depressão pode viver bem, cuidada, com uma excelente rede de apoio. Então as pessoas vivem em um espectro, de muitos fatores, que fazem a pessoa não estar saudável ou não. Ler João 10:10
Temos questões biológicas que podem ser afetadas, tipo alguns tipos de depressão que são por falta de serotonina. (demônio da meia noite), mas dificilmente uma pessoa que tem falta de serotonina somente. Ela tem normalmente falta de acesso a medicamentos, a psicoterapia, a uma rede de apoio, teve alguma violência muito pesada na vida que ativa essa fragilidade. É como um diabetes. Se você tem acesso a saúde, pessoas que entendem que você precisa de injeção, você consegue viver com uma certa tranquilidade. Isso só é um exemplo de como a saúde mental é um sistema. Se o ambiente não tem equilíbrio físico, mental e social, mesmo que não seja uma relação abusiva, não é saudável. Mateus 9.12 - todos nós estamos doentes!
Isso vai na contramão do senso comum que diz que depressão é doença de rico ou coisa que é de gente desocupada. São mais de 2 milhões de casos por ano só no Brasil, lembrando que é uma doença muito subnotificada. Então, a gente percebe que as questões de saúde são implicadas por fatores sociais – como raça, gênero e classe - e dos sistemas que fazem parte da vida da pessoa. Sistema-casa, sistema-trabalho, sistema-relacionamentos e também sistema-religião, dependendo da pessoa.
Crentes e a saúde mental
Ler: Mateus 15.11; Mateus 6,22 e 23.
Koenig e Larson (2001) assinalam que a maioria das pesquisas empíricas tem demonstrado uma associação positiva entre a Religião e a saúde mental. Entretanto, também observamos em pesquisas como de Pruyser (1977), que evidenciou costumeira baixa autoestima, perfeccionismos, insegurança e ódio autodirigido entre jovens religiosos. Num estudo específico com mulheres – mães adolescentes –, observaram que as mais religiosas eram as que mais possuíam sintomas depressivos (SORESON et al, 1995). Os autores desta pesquisa formularam a hipótese de que a Religião reenfatizaria os sentimentos de culpa e de vergonha e que encorajaram essas jovens ao isolamento, pois estas teriam comportamentos fora das normas sociais. Essa hipótese, apesar de interessante, não pode ser vista como a única resposta possível sobre a relação entre Religião e saúde mental. A partir da pesquisa de Strawbridge (1998), temos evidências que nos ajudam a complexificar a questão. A partir de seus dados adquiridos com 2537 pessoas religiosas nos Estados Unidos da América sobre o tema de depressão e Religião, o pesquisador percebeu que não é uma questão de melhorar ou piorar a condição psicológica desta pessoa, mas sim que de fato a Religião tem o poder de potenciar aspectos da vida de um sujeito ou até de neutralizá-los.
Desse modo, os autores afirmam que a Religião não cria, diretamente, as exigências ambientais, mas pode conduzi-las para uma resposta positiva ou negativa sobre as mesmas. Observando todas essas análises, percebemos que a relação entre saúde mental e Religião é bastante complexa e deve ser olhada dentro desta complexidade.
Por exemplo, a igreja pode produzir, ambivalentemente, relações autônomas ou dependentes, subjetividades produtivas ou reprodutivas, em diferentes tempos históricos. Comunidade é mais do espaço local, é intimidade, coesão social, compromisso moral, continuidade, sentimentos, motivação e desejos comuns. A igreja dispõe de imenso capital psiquico que a distingue do resto da formação filosofica, cultural e institucional. A igreja como mãe, embora ofereça apoio afetivo e efetivo a seus membros, também é extremamente rígida e controladora. Há na igreja uma cultura do silêncio sagrado.
Quando nos preocupar?
Ler : Pv. 17. 22; 14.30;
Observar o não dito como importante na hora do diagnostico e do tratamento (p.27)
Burnout: sofrimento acamulativo fruto de desgaste organico, principalmente nas relações afetivas interpessoais no trabalho, podendo ser auto-agressivos
Necessidade de se afirmar, dedicação intensiva, descaso com si, recalque de conflitos, negação, recolhimento, mudanças de comportamento, despersonalização, depressão, esgotamento, vazio, entusiasmo romatico, estancamento, frustração, apatia, desorientação, instabilidade emocional, culpabilidade, solidão, tristeza, necessidade de se reequilibrar, busca terapeutica. Somatização, probabilidade de condutas aditivas
União de uma exteriorização com um sentido, que a gente chama de sintoma (dor de cabeça) + (tristeza). Para haver reestruturação é necessario seu reconhecimento e integração entre aspectos sociais, psiquicos, biologicos, religiosos e antropologicos.
Famílip
Pv. 15.17 ou Pv 17.1 - lugares de paz ou lugar de guerra?
Espaço de segurança, mas de violencias e abusos. 95% e 5% de homens fazem os trabalhos domésticos. Vou começar pelo sistema-casa ou sistema-família porque ele é um lugar que afeta muito na saúde mental. A família é ainda o maior lugar onde a mulher sofre violência. As mulheres brancas tem uma jornada dupla de trabalho e as mulheres negras, uma jornada tripla. Muitas famílias no Brasil são apenas as mães e os filhos, sendo elas responsáveis por estes. As mulheres são culpadas por manter o casamento com maridos infiéis e são as responsáveis por qualquer sofrimento que a família sofre. A mulher carrega sobre si o sofrimento mental do marido e dos filhos muitas vezes. Então, ao mesmo tempo que a família pode ser um lugar de acolhimento, sabemos que é um dos lugares de maior adoecimentos de mulheres. Os únicos lugares a qual as mulheres teriam possibilidade de se expressar é dentro do espaço doméstico, mesmo assim sendo limitado pelo casamento e a maternidade (Laquer, 2001 apud Zanello, 2018). . Então, há uma introjeção de estereótipos de Gênero, como a submissão, o estupro e a violência doméstica, sendo esses dois últimos frutos da marginalização da mulher dentro do espaço de fé e pressupõe uma experiência de amor e sexualidade principalmente muito doentia. Estupro dentro do casamento.
Filhos - adolescentes e crianças
Ler: Marcos 10.34
Quando a gente fala de saúde de crianças e adolescentes a gente primeiro pensa em uma responsabilidade única dos pais, mas de acordo com ECA, a responsabilidade de adolescente e crianças é de toda sociedade - escola, família, sociedade e também da igreja. Devemos entender responsabilidade não somente como controle, supervisão como se eles fossem incapazes, mas estar atento e sensível para trazê-los para perto e perguntar como se sentem. Muitos adultos se perguntam quando uma criança sofreu uma violência sexual, ou violência física, porque não contou. Por que os jovens não contam e não constroem confiança com os adultos? Maior parte dos abusos sexuais em crianças e adolescente são realizados por pessoas próximas da família, de confiança dos pais e isso inclui pessoas da igreja. Criar um espaço seguro, para além da responsabilidade dos líderes de crianças e os pastores, é um papel de todos. Ouvir, levar a sério, acolher é papel da igreja e ajuda a criar um ambiente para uma boa saúde mental. E mesmo quando não estiver tudo bem com essas crianças, elas vão saber que podem conversar, que esses adultos podem a ajudar a ir ao psicólogo ou acompanhar um processo de melhora.
Mulheres
Ler: Jo. 20.13b
Os dados desenvolvidos pela FGV (2005), que se utiliza dos parâmetros do Censo do IBGE (2000), apontam que cerca de 50% da população brasileira frequenta cultos regularmente, sendo a maioria mulheres (57%), de idade mais avançada (acima de 50 anos). Estas também se importam mais com a religião que os homens. Esta mesma população tem menor acesso ao sistema público de saúde e ao tratamento psicoterápico.
Uma das formas mais severas de exercício do patriarcado é o silêncio. O silencio para a mulher é um reflexo de sua posição de gênero. Trata-se de uma estratégia de sobrevivencia e enfrentamento, enquanto mantém a paz nas relações amorosas (Diniz e Pondaag, 2004, 2006). E, não somente, mas também os homens aprendem a silenciar mulheres nessa relação. Outra representação de gênero importante a ser destacada é a imposição de uma disponibilidade afetiva e sexual da mulher sempre (Zanello, 2018, p.120). Segalen (1989 apud Zanello, 2018) traz o termo “santa mãezinha” que resume o aspecto religioso, inspirado em Maria que contrapunha a ideia de Eva, a pecadora, a qual pairava sobre as mulheres antes deste século para fugir dessa visão de doença.
E, sempre, as mulheres negras são as que mais adoecem nesse processo (Zanello, 2018, p.104), sendo as que mais ficam sozinhas (Pacheco, 2013 apud Zanello, 2018), mais afetadas pelo padrão estético e, em uma sociedade em que ter um marido é até mais importante que votar (Zanello, 2018), encontram-se em lugar de alta vulnerabilidade.Tudo coopera para nosso adoecimento e, por isso, voltamos ao mais básico: não se culpe.
Sexualidade
Ler: Canticos 5. 7-9; ter em seu amado o porto seguro, no meio de tantas violências. Canticos 2. 10-16. Sexualidade como lugar de alegria.
As instituições sociais, particularmente a igreja, tem dificuldade de lidar com a afetividade/sexualidade. No fundo, a dificuldade das instituições sociais com a afetividade/sexualidade é o problema com o prazer. Prazer como inimigo de Deus, como algo perigoso que se deve controlar. Várias pessoas institucionalizadas veem como impossível a conexão entre carinho, ternura, companheirismo, amizade e afetividade/sexualidade. Assim, o modo mais seguro de controlar os afetos que a Igreja encontrou foi associá-lo indissoluvelmente a procriação- fator biologico estritamente genital - por isso todo prazer fora das relações do matrimonio é desclassificado. Espalha-se o pânico toda vez que se experimenta uma fecunda vida afetiva entre as pessoas. Isso afeta diretamente as mulheres.
Trabalho
Ler: Pv.13.12
O mesmo ocorre no trabalho, onde há assedio sexual, menores salários, inferiores condições de trabalho, dependendo da classe, raça e gênero que você possui. A maior parte da população evangélica é analfabeta, negra e pobre, que sofre cotidianamente com patrões e violências como a de Burnout. O mesmo com as amizades, a qual as mulheres são ensinadas a terem inveja e rivalidade uma com as outras e nunca confiar nos homens. E, a mesmíssima coisa acontece na igreja. Nesse meio, o sistema religioso não se isola, pelo contrário, está em contato com outros sistemas culturais que refletem essa hierarquia. Falta de entrosamento, relacionamentos ruins, máscaras, necessidade de união, autoritarismo, insegurança, administração, status, falta de respeito. rivalidade, tortura, humilhação, competição. Cuidar do outro pressupõe o dever de cuidar de si mesmo e da organização na qual a relação e o cuidado pastoral se expressam.
Liderança
Exodo: 18. 13-18
Por isso vale falar de lideranças de igreja e pastorado. Padre Edênio Valle: religiosos ocupam todo dos grupos dos que mais sofrem com o público que trabalha, pois há a ideia fantasiosa de auto-estima e concepção de possíveis de perfeição . Em certa altura da sua experiência se encontram esvaziados de energia amorosa, incapaz de renovar as motivações e esperanças que tinham no começo. Há uma ideia de que o serviço religioso é plausivel, atraente e valioso.
Desde criança muitas crianças se aproximam da religião pelas atividades lúdicas. Influencia da familia, pai, mae e parentes próximos. Muitos jovens de favela não buscam a liderança católica por baixa auto-estima, por serem carreiras de prestigio social. 95% dos entrevistados não tiveram trabalho de orientação vocacional antes de entrarem no sacerdocio.
Ocorre injustiça social nas congregações e a sobrecarga gera embotamento sensorial, regressão e infantilismo. A subjetividade do lider é feita pela rede de micropoderes que sustenta o fazer cotidiano. Quando estes sujeitos, presbiteros e religiosos, não possuem manejo adequado de estratégias de enfrentamento com a organização, acabam não só ardendo, mas queimando-se por dentro.
Isso pode criar abuso na igreja ao não reconhecer o poder é força e prática de ação política, podendo ser autoritaria ou não. Os lideres tem medo de deixarem claro que fazem politica e que podem estar sofrendo por causa destes poderes.
Saúde integral
Ler: 1Co 16. 19
Além dos cuidados societários, devemos nos importar com hábitos materiais de nossos corpos. Exercícios físicos aumentam a serotonina no corpo e é preventiva a depressão. Alimentos com muita gordura são prejudiciais a saúde mental também. Por mais que ficamos felizes comendo açúcar e gordura, o pico de prazer dura muito pouco e pode causar doenças mais graves. Ansiedade e depressão também anda muito com doenças mais conhecidas como o câncer, a hipertensão, hipotireoidismo e ataques cardiacos. São concomitantes, então o cuidado do corpo também é cuidado tanto psicológico e espiritual. Se a gente sabe que pessoas com problema de alcoolismo vem a igreja e, por isso, não botamos vinho na ceia, porque a gente insiste em comidas cheias de açúcar com a quantidade de diabéticos dentro da igreja? Da mesma forma, o quanto a igreja tem estimulado os fiéis a sair do sedentarismo, se divertir e exercer cuidado com o corpo?
Morte
Ler: Romanos 14.8
Setembro foi o mês de prevenção ao suicídio. Esse mês é o de prevenção ao câncer de mama e colo de útero, novembro é o mês de prevenção ao câncer de próstata. A igreja, além de não falar sobre doença, como comentamos antes, não prepara a igreja para morte. Um dos nossos morre e a igreja não para. Algum irmão está em luto, mas a gente bota na agenda para visitar? Há um ditado popular que os católicos as vezes focam demais no Cristo morto, como se ele não tivesse ressurreto e que a igreja evangélica fala tanto do Cristo ressurreto que não fala de sua morte, do luto de Maria, a tristeza dos discípulos e que o próprio Cristo chorou a morte de um amigo.
Enfim, mas para além das questões teológicas, falar de morte é saudável. Nos ajuda a sermos fortes para ajudar quando o dia chegar. É bom falar de morte para as crianças, porque elas percebem a tristeza no ar e elas tem direito de chorar ao perder alguém querido. Nos ajuda a conseguir conversar sobre suicídio e perceber sinais de morte nas pessoas ao nosso redor. Falar de morte nos deixa atentos, mais cuidadosos, nos faz olhar para coisas que as vezes evitamos. Falar que crente se mata não é naturalizar e incentivar, é nos deixar atento para quando um dos nossos estiver sofrendo. Isso é muito importante.
Conclusão
Essa foi um breve comentário para os ouvir e pensarmos juntos do como a necessidade de cuidado com a saúde mental está por todos os lados. Provavelmente você conhece ou é uma das pessoas que sofre com uma dessas coisas. Mas isso não é o fim. No momento que percebemos a importância, a encarnação desses problemas, podemos pensar em formas de ressurgir, coletivamente. Obrigada!
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