Como trazer a teologia feminista para sua igreja.
Acredito que antes de pensarmos
sobre uma leitura feminista da Bíblia, devemos pensar em formas de que tal
leitura faça diferença nos espaços em que estamos. Temos a sorte de viver em um
momento de grande fluxo de informações sobre os mais diversos temas e, sem
dúvida, a teologia não passa despercebida em meio a essa transformação. Muito facilmente
encontrarmos canais no Youtube sobre Teologia, blogs, sites, grupos sobre
conhecimentos teológicos e, mais especificamente, sobre Teologia Feminista.
Afinal, o feminismo está na boca
do povo e a Teologia – que tem feito diálogo com esse movimento desde os anos
de 1970 – precisou intensificar seus estudos na área. Seja apoiando ou seja
refutando, informações sobre Teologia Feministas crescem. Um exemplo disso é uma
pesquisa realizada em meu grupo de trabalho, a Mandrágora (Núcleo de Pesquisa
de Gênero e Religião da Universidade Metodista de São Paulo), que realizou um
mapeamento no final de 2016 sobre o número de trabalhos, seja na teologia ou na
ciência da religião, sobre gênero. Comparando as pesquisas desde a década de
1970 até agora, vemos um crescimento exponencial, de haver mais de cinquenta
trabalhos acadêmicos a mais a cada ano nessa área. O que antes se encontrava em
espaços pontuais, agora é de amplo acesso, de diversos grupos de pesquisas
espalhados pelo Brasil.
Porém, o que mais me preocupa é
que ainda assim não vemos uma mudança radical na relação da igreja com as
mulheres. Do que adianta tantos blogs,
pesquisas, vídeos se ainda chegamos a nossas igrejas nos sentindo sem poder,
incapazes de realizarmos a revolução que sonhamos? Isso faz que muitas de nós
retenhamos muita informação interessantíssima sobre Teologia Feminista, mas
acabamos nos fechando, desesperançosas, em espaços que todos já acreditam na
mesma forma que a gente.
Entendo que não seja fácil, pois
eu mesma já passei e ainda passo por isso, mas a fé cristã é baseada na
esperança e na crença que é possível mudar esse mundo. Se nós não tivermos
esperança, ninguém terá por nós. Por isso, a decisão é de tornar o primeiro
texto sobre como fazer a leitura crítica acessível.
As sugestões que eu trago são bastante
pessoais, então não se trata de uma formula, mas de um conjunto de fatores que
podem auxiliar.
- · Faça a igreja acreditar em você.
Nesse caso, falo para as irmãs
que estão dentro de uma igreja. Por mais que o movimento feminista negue isso,
nós temos um espaço privilegiado para divulgar o movimento para fora do meio
acadêmico. Porém, isso não significa que seja simples.
Um dos motivos pelos quais há uma
verdadeira repulsa ao movimento feminista é esse grande estereótipo de que se
trata de algo mundano, sem Deus, e você sabe muito bem que não é disso que se
trata. Você, mulher feminista e cristã, existe.
Contudo, como diria Jesus, não se acende uma vela para esconder. A
igreja precisa conhecer para mudar sua percepção e, para isso, você precisa se
arriscar.
Arriscar como? Às vezes de forma
mais simples do que imaginamos. Às vezes o fato de você conviver com alguém
diferente, ajudar em tarefas domésticas, ser simpática, espiritual, receptiva
já ajuda as pessoas a quebrarem muitos preconceitos com esse demônio feminista
que muitos acreditam. Isso é, mostre que quem você é e que não há motivo para
temer aquilo que você fala. No momento que conseguimos conectar nossa
humanidade e nossa espiritualidade, já temos um grande passo para falar nossas
ideias.
- · Acostume a igreja a ouvir mulheres
Se você já possui algum espaço de
influência na igreja, faça questão de chamar mulheres para falar. Podem ser mulheres
não feministas, mas dê espaço para ouvirmos o timbre feminino durante o culto.
Dependendo do espaço religioso que você viveu, como no meu caso, a
espiritualidade feminina era colocada em segundo plano, como apenas a ser ditas
em pequenos grupos. O fato destas poderem falar, dizer um pouco do que
estudaram é um costume a ser estimulado.
Tivemos a oportunidade de chamar
uma mulher negra para falar no dia da Consciência Negra, em minha igreja. Nesse
dia, ela não quis falar sobre negritude, porém um salmo, como outro qualquer.
Contudo, para as meninas negras em minha igreja sinto que este ato teve
impacto, porque ali havia uma espiritualidade como a delas.
- · Esteja sempre estudando a Bíblia.
Tive o prazer de conhecer uma
excelente teóloga chamada Cheryl Anderson que realiza um trabalho sensacional
em igrejas negras no sul dos Estados Unidos de conscientização de DSTs. Um
trabalho ambicioso que aparentemente seria muito difícil de entrada para o
debate. Porém, ela possui uma estratégia para sua militância: ela somente usa a
Bíblia, mais nenhum livro. Graças a essa ideia, consegue viajar pelo mundo
falando sobre aceitação ao sexo e as doenças sexuais com abertura nas mais
diversas igrejas.
Como isso é possível? Muito, mas
muito estudo. E a teóloga sempre pontua que, nas igrejas que ela atua nos
Estados Unidos não haveria menor possibilidade de adentrar esses temas se não
pela Bíblia. De forma similar, nossas igrejas têm maior abertura se
conseguirmos trazer o feminismo para uma leitura bíblica.
Precisa de exemplo de uma mulher
na liderança? Débora. Um exemplo de que mulheres não são loucas? Abigail. E
tantas outras podemos citar. A Bíblia é sempre um mecanismo bom porque não se
trata de um texto que pode ser classificado como mundano, herético e de “má
fonte”.
- · Reforce a necessidade de saber interpretar um texto.
A religião evangélica, apesar de
possuir um número de leitores muito grande, também possui outro número
gigantesco de analfabetos funcionais. O caso do homem que confundiu adúltera e
adultera, famoso nos jornais, apenas expressa algo o que já sabemos: a Bíblia é
mal lida.
Muitos são os motivos para isso,
mas o motivo mais básico é que nosso ensino de português é muito deficitário e,
por força do costume, acredita-se que a Bíblia não precisa ser lida dentro dos
critérios de interpretação de texto. Perguntas básicas de “quando”, “onde”,
“porquê” ou informações importantes como tipo literário e contexto histórico
são comumente deixadas de lado para uma leitura anacrônica e dogmática.
Estimule, sempre que possível, a contextualização. Sabendo já contextualizar o
texto, ficará mais fácil identificar as estruturas de poder que estão relatas,
as questões que já são ultrapassadas, se o texto é para ser uma lei ou não.
- · Encontre material que seu público irá ler.
Saiba que as mulheres já são,
hoje, as maiores leitoras do Brasil. E não somente isso, a literatura religiosa
é a mais lida no Brasil (Souza, 2011). Desse modo, é muito provável que na sua
igreja haja mulheres que conhecem e leem livros como Casamento Blindado, a
Mulher V, dentre outros. Por mais que você ache O Segundo Sexo da Simone de
Beauvoir um livro incrível, existe uma grande chance da pessoa que lê Casamento
Blindado não se interessar por esse tipo de literatura. Procure livros
acessíveis, menos teóricos e mais da prática. Se a pessoa gosta de receber vídeos
pelo whatssap, procure um canal no Youtube ou se a pessoa gosta de filmes,
indique dentro do gosto dela. Farei um post mais a frente sobre indicações
feministas para todos os gostos.
- · Comece com temas que tem baixo índice de polêmica e aumente aos poucos.
Feminismo é um termo com muitos
estereótipos, termos próprios e demonização. No geral, para quem não gosta, há
certa aversão a tudo que possa cheirar a feminista. Isso é completamente
compreensível devida a nossa dificuldade de diálogo e principalmente a nossa
insensibilidade com os diversos níveis de conhecimento sobre o assunto.
Nenhuma de nós nasceu sabendo o
que empoderamento, mainsplanning, gaslighting, radical, interseccional,
colorismo etc. Desse modo, vá devagar. Se você teve a oportunidade de falar
sobre o tema, não destrua tua confiança logo de cara falando que feto não é
gente. Converse com as mulheres e descubra quais temas elas estariam mais
abertas a debater.
Em certa oportunidade, pude
pregar na minha igreja e, em meio a pregação, citei um grande texto da Ivone
Gebara. Eu poderia ter levantado um capítulo do O que é Teologia Feminista?,
mas a fim de evitar polêmica e o termo, introduzi um texto mais amplo, sobre
esperança e contextualizei como a atuação dela na teologia da época escrita foi
revolucionária. Essa pequena citação abriu portas para pessoas procurarem, por
conta própria sua teologia.
Num caso mais a frente, pode
ocorrer outro exemplo vivido em minha comunidade. Realizamos uma sequência de
estudos sobre mulheres na Bíblia. A grande maioria do material utilizado para a
escola Bíblia era do Projeto Redomas e ressaltávamos o papel das mulheres como
valorosos e pontuávamos temas como o da violência. Contudo, sempre foi preciso
adaptar o linguajar e o índice de “modernidade”, pois havia muitos idosos
dentro de sala. Por fim, todos adoraram esses estudos e comentam até hoje.
- · Falar tudo no poder do Espírito Santo
Parece um pouco bobo ou até mesmo
crente demais, contudo quando tentamos passar uma ideologia para alguém sem o
amor e a paz do Espírito Santo há uma enorme chance de sermos invasivas,
desrespeitosas e orgulhosas. É Ele que nos faz lembrar que somos pó, um pó com
um pouquinho mais de leitura que outros.
Então, assim que estiver se
aproximando da Teologia Feminista, considere sempre formas de passar esse
conhecimento a diante. Um teólogo que me afeiçoo muito, o Jurgen Moltmann, diz
que a teologia acadêmica é um deserto. Ela não floresce em si mesma. Que
façamos nossos estudos acessíveis para os outros.
SOUZA, Sandra Duarte de. O gênero
escrito na literatura evangélica. In: OLIVEIRA, Pedro A. R. de; MORI, Geraldo
de. (orgs.). RELIGIÃO E EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA. São Paulo: Paulinas; Belo
Horizonte:SOTER, 2011, p. 113-128.
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