E o fruto do Espírito é tristeza
Muitos textos da Bíblia me
inquietam, mas poucos me inquietam tanto quanto Gálatas 5. Apesar de ser daqueles textos que sempre me dão uma
lição nova e me ajuda a crescer muito espiritualmente, tem uma pequena palavra
que me tira do sério, que me perturba – e muito. E essa palavra é de que o
fruto do espírito, além de muitas coisas é alegria.
Alegria.
De acordo com a OMS, 121 milhões
de pessoas sofrem de depressão no mundo. Isso em número de pessoas
diagnosticadas, logo a incidência é muito maior. E quando uma pessoa tem
depressão ou está com o humor deprimido, não adianta forçar a pessoa ser alegre
que ela não vai ser. Ela não escolhe isso. Nessa hora não existe “diga para si
mesma que você será feliz” que não vai ser. Você vai ser triste.
Você pode amar outras pessoas
estando triste, ter o ânimo longo de, mesmo mal, vai ter uma saída, pode ser
mansa, ter domínio próprio, boa, ser fiel, todos os frutos do Espírito. Menos
ser alegre. Ser alegre seria falsidade, hipocrisia e fugiria completamente do
Fruto do Espírito.
Se fossemos tão preto no branco, pensaríamos
então que ser triste é pecado e isso é bastante conveniente. Afinal, nossa
sociedade é trabalhada no que é normal, correto e no que é, em contrapartida,
imundo, patológico e pecado. Não é de se estranhar um esforço comum de colocar
ao lado de pecado as doenças. Não é a toa que a patologização da melancolia e,
posteriormente, do que chamamos de depressão vem a coincidir numa época que é
tão necessário que todos sejam felizes – e sempre.
Somos absolutamente impedidos de
sermos tristes, afinal nós somos donos de nossa vida, podemos “empreender” de
forma a alcançar nossa felicidade em consumo, meditação, boa alimentação,
medicação, terapia, livros de auto-ajuda e até mesmo convertendo a uma
religião, como no caso que focamos, aceitar Jesus. Se você, com tudo isso a
mão, com Jesus no coração, ainda está triste, então o problema é você e você
está de má vontade. Não digo, contudo, que algumas dessas coisas não são
importantes – e, para mim, até mesmo necessárias – para se ser alegre.
Porém... E se eu não for? E se eu tiver/for deprimido? Quantas
penitências preciso fazer para me livrar desse mal (e tem que fazer feliz
porque nem sofrer de arrependimento pode)?
Fazendo um pequeno parêntese e
instigando mais o tema, lembro sempre desses exemplos de superação que o
capitalismo-empreendedor-de-vida adora. E não tem como esquecer-me do nosso
querido cântico “Sou feliz com Jesus” escrito por Horatio Spafford, após ter
perdido um empreendimento imobiliário e ter perdido as 4 filhas. O uso que
fazemos desse cântico é tão desonesto que ele, quando foi escrito no Inglês,
fala “Its is well with my soul”, que é “estou de bem com minha alma”. Logo, a
pessoa poderia ter elaborado esse luto, está bem com sua alma sobre a perda e
continuar sofrendo muito, chorando e tudo, menos feliz com Jesus.
E olhando para a trajetória da fé
em Yahweh e o evento crístico de Jesus aqui na Terra, temos relatos enormes sobre
pessoas que sofreram. Aliás, temos versículos falando que Jesus chorou, que quis
fugir de problemas, que se sentiu desamparado, chorou lágrimas de sangue,
angustiou-se muitíssimo. Não há nenhum
versículo “Jesus sorriu”, “Jesus riu”, “Jesus estava bem”. Parece
brincadeira, mas se a gente fala de uma fé cristã que, de fato, é
cristocêntrica, podemos nos questionar dessas coisas.
Isso se formos objetivos e
captarmos direto Jesus. Podemos passear a Bíblia inteira e vê que Jó preferiria
ter sido abortado a sofrer tanto; que os salmos, em boa parte, fala de medo,
desamparo e sofrimento; que o Eclesiastes dizia que viver e morrer é a mesma
coisa, dentre tanto outros. E, é claro, não podemos nos esquecer também do
nosso querido denominado “profeta depressivo”, que era Elias. Apesar do absurdo
anacrônico e diagnóstico que é, é curioso um profeta tão expressivo ter se
isolado, não ter fome, ficar grandemente angustiado.
Então eu volto para meu
conturbado fruto do Espírito. Se Paulo fala tanto de imitação de Cristo, parece
meio desconexo que se possa falar de alegria como fruto do Espírito. Se pode
até colocar as bem aventuranças como uma outra forma de dizer “felizes são”,
mas alegres... Bem exagerado.
Fui procurar o termo grego de
alegria para me entender melhor com o texto. O termo usado é χαρά, que pode ser lido “Karaá”.
Realmente, ele significa alegria, exaltação, prazer então a tradução está bem
certa. Vejo alguns comentários de que o
autor estaria falando de alegria em cristo em meio a dificuldades, por se
tratar de uma igreja perseguida, porém isso não responde minha inquietação.
Seria quase um “manter-se positivo”, que me lembra muito do manter um longo
ânimo, que é a longaminidade. É, para mim, uma desculpa como muitas que os
ortodoxos dão para textos que, de fato, não fazem tanto sentido. Afinal, a
Igreja primitiva mesmo quando passava por uma dificuldade não era muito alegre.
“Ah, mas e Paulo com o louvor na prisão?”. Até eu louvaria na prisão de PÂNICO.
Louvaria que nem uma maluca, faria qualquer coisa para Deus me socorrer. Até
cantaria “Sou feliz com Jesus”. A igreja não ficava sempre alegre, ela era
longânima, perseverante em oração e tendo alegria em momentos específicos.
Então isso ser uma característica
dos cristãos – a alegria – sei não.
Jesus não era muito alegre. Nessas horas fico tranquila em cair na teologia
liberal, me jorrar na heresia e dizer que, nessa parte do texto, não acredito
não. Afinal, na carta de Romanos, o próprio autor já fala para se alegrar com
os que se alegram e chorar com os que choram. Ué? Ser alegre é versátil ou não? Não estou mais entendendo.
Acho até que seria bem mais cristológico dizer
que um dos frutos do Espírito é a tristeza. Existe bem mais histórias de
pessoas tristes que foram consagradas por Deus que alegres. Existem bem mais
histórias de Jesus sofrendo do que sendo alegre. Quando Cristo faleceu e as
mulheres se entristeceram, os anjos perguntaram por que ela chorava. Depois
deram um boa notícia, mudou a sorte, mas acolheram esse sofrimento. Tenho
estudado emoções e curioso como uma das primeiras coisas que aprendemos na
psicologia é não julgarmos o que sentimos (não deveria estar feliz! Por que
estou tão mal? Por que tenho raiva dessa pessoa), para só depois compreender e
mudarmos, se for o caso. Se acreditamos que Deus nos aceita como somos, que
será ele que acolhe o choro e que nele temos consolo, até chegar nele vamos ter
rostos vermelhos, nariz escorrendo, tristeza. Moltmann fala muito de um Deus
que sofre. De um Deus que sofreu desde a traição do povo judeu, da morte do
Filho, da desigualdade, da injustiça. Deus
não é muito alegre. Aliás, dizem que chegando no céu acabará o choro, mas
se Deus já está no céu e sofre hoje... Será? E qual o problema de chorar?
Desse modo, chore em paz. Chore bastante.
Chore na cara do pastor que diz que você tem que ser feliz. Chore na sua
família que se diz perfeita. Chore com os amigos que só estão contigo nos
momentos de diversão. Chore, sofra, se
angustie. Acho que é a coisa mais cristã que nós, assim como eu, podemos
fazer.
Wooooow! Ótimo texto!
ResponderExcluirMônica de Castro
Seu texto é sensacional, compreendi perfeitamente a sua critica de "cristãos são sempre alegres" mas eu tenho outra opinião em relação a Fruto do Espírito, a alegria. Como tudo na bíblia, acredito que todas as falas são interpretáveis. Isto é, essa fala de "sermos sempre alegres", não é para deslegitimar o sofrimento e sim, para direcionar o nosso sofrimento a não-vida. Entende? Eu entendi essa fala como uma fala para assegurar o nosso maior presente: a vida. Em outras palavras, temos permissão e devemos nos entristecer, mas nada que chegue ao ponto de atentarmos contra a nossa própria vida.
ResponderExcluirPrimeiro, muito obrigada pelo elogio <3 me sinto honrada
ExcluirE eu achei interessantíssima sua leitura. No texto eu aponto que essa tua concepção parece mais com a longaminidade, que significa longo animo, uma forma de persistir apesar das dificuldades. De certa forma, ela combina bem com a alegria, mesmo sendo um pouco diferente.
Muito obrigada por comentar!
Ninguém é sempre alegre, nem sempre triste. Tudo passa. Felicidade e alegria são coisas diferentes. Felicidade é saber que, embora a tristeza exista, ela passa. Aí está a diferença entre a entrega ao desespero e a luta para superá-lo: a fé! A fé de que tudo um dia passa.Jesus disse: "No mundo tereis aflições. Tende bom ânimo. Eu venci o mundo". O que vence o mundo é a fé. Seja o mundo exterior quanto o interior.
ResponderExcluirUma pessoa que tem depressão ou que se magoa por pessoas, doenças e materiais não tem Deus no coração. Os que o tem não são infelizes porque a felicidade deles é eterna, diferentemente das coisas nesse mundo, quem se alegra em comidas bebidas e sexo não vai ser alegre pra sempre, pois essas coisas acabam. Quem se alegra em pessoas animais ou plantas também não será alegre pra sempre, pois esses seres morrem. Quem se alegra em dinheiro e em objetos também não teram a felicidade eterna, porque o dinheiro acaba e os objetos envelhecem. Quem se alegra em momentos não será feliz pra sempre, porque eles também acabam. Mas os que se alegram em Deus nunca se magoarão, porque a graça de Deus nunca acaba, o Senhor nunca morre e muito menos envelhece.
ResponderExcluirSempre que leio esse texto aprendo algo novo. Obrigada pelas suas palavras!
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