De que igreja você é?
[adoro os desenhos do nakedpastor!]
“De que igreja você é?”
Essa pergunta. Quantas vezes me
fizeram essa pergunta e eu, incomodada, não sabia o que responder. Talvez de
vergonha, talvez com medo de dar muita explicação. Talvez porque essa pergunta
não fizesse muito sentido para mim. Porém, esta sempre esteve presente.
Não posso negar que, se eu fosse
uma pessoa simples, diria com facilidade: Sou
presbiteriana, criada na Catedral Presbiteriana do Rio. Isso mesmo, do rev.
Guilhermino, da rádio. E agora estou na igreja presbiteriana Luz do mundo. Sim!
A igreja do rev. Evaldo, que também está sempre na rádio. É uma casinha em Laranjeiras...
Mas não. E por quê?
Primeiramente, quero ser bastante
incisiva em dizer que a discussão entre se igreja é o corpo de Cristo ou a
instituição não será meu foco. Não será, principalmente, porque falo a partir
do protestantismo. Se fosse a partir do catolicismo, eu poderia desenrolar de
uma forma completamente diferente. Porém, no protestantismo brasileiro
contemporâneo, onde há muito a ideia de um evangélico genérico – que frequenta
uma igreja, ouve a rádio de outra, compra o livro de uma terceira e visita uma
quarta – não faz sentido associar diretamente igreja instituição a corpo de
Cristo. Dificilmente alguém bate no peito, sendo evangélico, e diz que somente
a sua denominação, sua congregação, sua igreja local e seu pastor são
unicamente o corpo de Cristo. Há um reconhecimento da presença do corpo de
Cristo para além dos limites do templo. Seria ilusório, todavia, dizer que isso
significa o rompimento total entre a igreja instituição e o corpo de Cristo.
Nesse sentido, Emil Brunner,
elabora com cuidado no seu livro “O equívoco sobre a Igreja”, principalmente no
primeiro capítulo onde ele escreve sobre o problema da igreja. E, em todo seu
cuidado, ele continua achando o termo igreja ambíguo. Por mais minucioso que possamos ser, tentando pegar
diversos autores de eclesiologia, é ainda muito comum usar o mesmo termo para
os dois, como igreja visível e invisível. Ou até mesmo na tradução de ekklesía,
que corriqueiramente é dito como igreja, mas especificamente significa chamados
para fora. Sobre o sentido que isso pode acompanhar, são muito plurais. Joerg
Rieger diz que o termo ekklesía corresponde a um tipo de assembleia que tinha,
sim, o desejo de ser instituída e causar impacto político e social nas cidades
ao qual teriam. Quando o Frank Viola fala do termo ekklesía, estaria muito
longe de se denominar grandes aglomerados de fiéis, por isso aposta em uma
visão mais domiciliar de tais grupos.
Vejo que, apesar de não ser
absolutamente presente no meio evangélico a associação direta entre igreja e
corpo de Cristo, há um interesse muito forte em manter essa ambiguidade.
Afinal, a fé cristã tem 2 mil anos de teologia, que faz elaborações
hipercomplexas sobre a trindade, sobre o baixo e o alto cristo, sobre o pós
morte e, todavia, quando entra no tema igreja, em eclesiologia, as discussões parecem muito longe de se
discutir sua existência. Para mim, isso tem uma explicação bem simples:
quem estuda teologia, em sua maioria, são pastores e qual seria o interesse
deles em questionar aquilo que será seu trabalho, sua liderança? É mais fácil
questionar sua própria fé através de autores altamente desafiadores do que o
seu lugar de poder dentro da instituição. Quando o assunto é igreja, o poder é
muito instituído. Muda-se a forma, algumas roupagens, mas a estrutura,
dificilmente.
[Uso aqui, então, o termo igreja
como sinônimo de instituição eclesial, hierárquica, com liturgia,
denominacional. Não o faço para negar essa ambiguidade, porém, só para falarmos
a mesma língua e falarmos da mesma coisa quando dizemos “igreja”.]
Assim, quando eu fico em
silêncio, tenho receio em responder, logo, sem querer querendo, saio um pouco
desse automático. Eu produzo teologia quando não tenho uma resposta pronta. E
não é exagero dizer que meu silêncio e minha falta de graça sempre causa
desconfiança daqueles que me ouvem.
Das desconfianças, as mais comuns
possíveis. Será que ela abandonou a fé? Ou está desviada? Ou se brigou com
alguém na igreja? Está com mágoas? Ou até mesmo certa forma de gaslighting*, a
qual eu era sempre vista como a “maluca que não gosta de igreja”, alguém que
nunca merecia ser ouvida nas opiniões. (eu falo um pouco dessa minha
experiência na faculdade de teologia aqui)
E, logo percebe-se que a desconfiança anda, constantemente, ao
lado de uma acusação. Ora, não ir a igreja é estar errada, não porque na igreja há salvação, porém... É possível uma
brasa fora do braseiro? É certo que você não possui comunhão e para um cristão
não ter comunhão com outros, a fé dela está
errada. Tem algo errado ai. Oficialmente, você sai do padrão de normalidade
cristã.
É claro que ninguém irá assumir
que está querendo te empurrar a um padrão de normalidade. Te dizem que estão
preocupados com você, que te amam. Eles dizem que você não pode se afastar de
Deus. Porém, a hipocrisia é real.
Quando se pergunta “de que igreja
você é”, se quer saber, prioritariamente duas coisas: se é uma igreja conhecida
– isso é, tem um pastor conhecido – e qual tipo de doutrina você tem. Raras são
as vezes que perguntam qual sua função na igreja e, se o fazem, tem um sentido
prioritariamente de saber aonde na hierarquia de poder você está. De fato, ninguém está interessado em você
espiritualmente. Ninguém pergunta se você ora com alguém quando está
triste. Ninguém quer saber se você tem intimidade com Deus no seu dia-a-dia.
Ninguém quer saber o quanto você discorda da igreja em que faz parte. Isso me
faz lembrar minha avó, uma mulher ex-pastora presbiteriana, que diz nunca ter
acreditado em predestinação.
Essa pergunta, então, parece mais
como uma pergunta: você está ou não
dentro dos padrões de normalidade evangélica? Ah, não. Nunca.
E você tem todo o direito de me
questionar agora. Afinal, eu falei acima que faço parte de uma igreja
institucional. Logo, eu não teria nada a temer. De fato, não sou marginalizada
pelo meio evangélico – aliás, está até na moda ser reformada.Porém, falando
muito particularmente – e só falo de mim - sinto que nunca fui igreja dentro da
igreja. Parece que minha igreja nunca esteve dentro dela.
Parece que eu passei a vida
procurando uma família de fé, gente que eu pudesse trocar experiências, do que
eu estou vivendo, do que Deus fala comigo. Gostaria de ter tido gente que me
abraçasse nos meus dias de choro, de quem me fizesse crescer espiritualmente.
Deus foi bom comigo e sempre me deu pessoas para tudo isso. Todavia, nunca na
igreja.
Gosto de estudar sozinha, de
contemplar Deus nos olhos das pessoas, de desenhar meus aprendizados e escrever
livremente. Gosto de ouvir os pássaros louvando, a liturgia do nascer ao poente
do sol. Gosto de roubar o sagrado dos lugares santos. Gosto de espiritualidade
com contato e afeto. Minha fé é de dúvidas e surpresas e a igreja não me dá
nada disso. Lá não há espaço para o mistério. Ela não dá conta do tamanho da minha
espiritualidade.
Quando me perguntam qual é minha igreja, jogam toda minha espiritualidade
em segundo plano. Sinto-me jogada no banco de domingo de manhã, a qual o silêncio
de minha fé é constrangedor. Pedem uma representação, uma palavra, que seja
possível organizar toda minha experiência. Isso é tão difícil quando
classificar Deus.
Presbiteriana. De fato, não faz sentido, não diz nada sobre mim.
Essa palavra me fala mais de um não-pertencimento do que de qualquer outra
coisa.
* Gaslighting é uma forma de abuso psicológico a qual ocorre quando um homem faz de tudo para a mulher duvidar da sua própria história e de seu conhecimento, normalmente a categorizando como “histérica”, “louca”, “fora de si” ou “afetada pelos hormônios”.
Olá, eu e minha esposa estamos buscando, mas hå muita intensidade em pontos específicos... Os orgânicos demonizam os prédios de tijolos, há os que demonizam a fīgura de lideranças, na Missão Integral hå um enfoque muito racional para ação social (mas existe o poder sobrenatural de Deus: dons de profecias, curas e libertações existem). Tem muita gente que não se encaixa. Mas a Igreja aí estabelecida é a noiva de Cristo, está meio surrada, temos feito bobagens, mas somos a noiva. Não nos cabe separar o joio, por isso, creio que não podemos criticar negativamente. Creio melhor sermos positivos, pregar e viver o evangelho segundo nossa consciência (se ė que o ES habira em nós...) Discussões sobre dogmas e convencimento causam desgaste. Melhor orar por nossos irmãos que não entendem que se Cristo nos libertou, somos livres de dogmas, mas presos a Cristo, cujo fardo é leve. Um abração!
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