Sobre a Teologia [parte 3] - ser Teóloga (?).
Depois que você já saiu do choque
dos primeiros momentos da Teologia, começa vida mais intensa na faculdade. Aos
poucos fica claro o que é ser teólogo. Você começa estudando um pouco de
introdução a Bíblia, introdução ao método Teológico, documentos da fé e se prepara
para as matérias específicas.
Como em qualquer faculdade, você
estudará disciplinas aleatórias. Tive a oportunidade de não cursas todas as
aleatórias porque muitas eu havia feito na UFRJ, então facilitou. Todavia,
coisas inúteis vi, como a matéria de Psicologia da Religião. Sim, eu estudo
psicologia. Sim, sou formada em Teologia. Sim, a matéria de Psicologia da
Religião foi inutilíssima.
Um detalhe muito comum na
faculdade de Teologia é ter professores desconexos. Isso proporciona uma
formação estranha. Afinal, o professor de Psicologia da Religião era padre e
filósofo. Nosso professor de Hebraico não fez Letras. E, pela situação
complicada que a faculdade passava financeiramente, não era possível contratar
novos professores. O mesmo professor dava aula de ecumenismo até história da
Igreja. Isso proporcionava matérias repetitivas e sem aprofundamento.
Aliás, esse é um detalhe
importante para quem deseja estudar Teologia: seminários quase sempre têm
problemas financeiros porque, normalmente, a igreja não se importa em formar
Teólogos. Desde que saia os pastores suficientes para suprir a hierarquia
eclesiológica, não há o menor interesse em ter uma faculdade reconhecida pelo
MEC de Teologia. No meu caso, a Metodista, todo mês ouvíamos que ia falir, pois
manter a UMESP já era demais. Todo semestre um professor era demitido até o
ponto de que, no meu último semestre de Teologia, já havia prédios
inutilizados, acessoristas demitidas. Tudo em nome da manutenção da UMESP.
Enfim, falarei mais sobre isso mais tarde.
As matérias na Teologia se
dividem em: disciplinas gerais, matérias específicas aparentemente sem
utilidade nenhuma, exegese numa língua que você não terá tempo de aprender. Um
exemplo de coisas gerais: no meu curso tivemos três disciplinas de Filosofia,
uma de Ciências Políticas, Psicologia Geral e da Religião, Sociologia e
Sociologia da Religião, Antropologia da Religião e outras. Essas matérias
poderiam ser muito úteis se os professores se preocupassem, de fato, em
torná-las base para a faculdade. Não era o caso.
As matérias específicas são
aquelas que todo mundo comenta: Trindade, Eclesiologia, Cristologia,
Escatologia tudo o que é conhecido como Teologia Sistemática. Eu adorava essas matérias,
menos Trindade porque, né, não adianta explicar o que ninguém entende mesmo.
Todas essas matérias são bastante importantes para se formular o que chamamos
de Teologia, porém falta um pouco de praticidade às vezes. Como a grande
maioria é seminarista, não veem muito sentido em ficar teorizando sobre o que é
igreja, quem é a trindade etc. Aqui também entra coisas que não são exatamente
sistemáticas, como ecumenismo, as milhares de matérias sobre Teologia da
Libertação e as muitas de história que a igreja tem, que se resumem a brigas.
Mas nada se compara as matérias
de Exegese e Hermenêutica. Eu, que apesar de ter lido muito a Bíblia, não era
fã de estudar esse assunto devido a minha baixíssima capacidade de aprender
línguas. No meu caso, tive um semestre de grego e um de hebraico e várias
matérias de interpretação de texto bíblico – é claro, no original. Nossa! Como
era tenso... Simplesmente a coisa mais chata da faculdade, para mim. Há quem
ama e, de fato, é muitíssimo importante.
Só não acredito ser mais chato do
que estagiar. Também, no caso da Metodista do Rio, éramos obrigados a estagiar
em três instituições – duas igrejas e outro espaço que possua capelania. Estagiei
na minha igreja de origem e me deu plena certeza que eu nunca mais suportaria estar
naquele lugar. Quando fui estagiar na segunda igreja, acabei sendo acolhida
como “membro” e estou lá até hoje. Fugi enquanto pude de pregar, de fazer
burocracias eclesiásticas, tinha repulsa. Gostava de ficar escondida, cuidando
das pessoas a volta, as conhecendo. Assim, o único estágio que me foi
interessante foi o da Capelania, que fiz em um hospital. Afinal, os estágios me
davam cada dia mais certeza que detestava o trabalho pastoral.
Quando se pisca os olhos, o curso
termina. Termina não só porque passa rápido todo aquele sofrimento, mas porque
transcorreu o boato que a faculdade acabaria. Cada semestre tínhamos que pegar
mais matérias para ter certeza que, caso acabasse logo, teríamos com o que
recorrer ao MEC. Cansamos de planejar viagem para a UMESP para reclamar ou
pedir nossos direitos. Cansamos de ouvir que tínhamos que pedir transferência
para o Seminário Batista do Sul. Muitos o fizeram, mas nós queríamos resistir.
Parecia que todo mês tínhamos que reconstruir nosso lugar como estudantes de teologia.
No final de 2014 a última turma de Teologia se formou e todos os outros cursos
da universidade foram fechados. Não existimos mais.
Era 2014.1 quando pisquei os olhos.
Se tratava do grande momento de fazer minha monografia e terminar o curso. Só
sobraram dois professores no curso, todos foram demitidos. Os prédios já
estavam sem luz, matava barata quase toda semana. Queria profundamente realizar
meu sonho, como falei em textos anteriores, de falar sobre o Frank Viola e os
cristãos sem igreja. Anos se passaram e esse continuava sendo o desejo do meu
coração. Porém, a única professora que poderia me orientar era biblicista,
exegeta de grego. Uma grande mulher, mas em nada se relacionava com meu texto.
Para variar, continuei solitária na minha monografia, pesquisando praticamente
por conta própria com pouquíssima orientação porque, afinal, era o que eu
queria estudar. Eu entrei na teologia para isso!
Quando em Junho a monografia
estava pronta e entregue, senti quase nostálgica. Eu seria teóloga e, mais do
que isso, tinha realizado um pequeno sonho. Apresentei em congressos, mandei
para publicar a pesquisa.
Na época que formei tínhamos
menos de dez na turma. Lembrando que, como citei, éramos mais de cinquenta. No
meu caso, sequer tive cerimônia porque eu precisava da documentação sobre o
término do curso para me inscrever na pós-graduação. Li meu juramento sozinha
com minha mãe e irmã na secretaria improvisada, já que os secretários seriam
demitidos. Muito longe de ser o ideal.
Se eu me arrependo? Jamais. Faria
tudo novamente. Sou apaixonada por tudo aquilo que, inusitadamente, aprendi.
Foi a maior aventura que vivi.
Receber meu diploma e me ver como
teóloga tem sido um desafio desde então. Tentei me aproximar das Ciências da
Religião, ver outros campos mais amplos, porém, de fato, isso só certificou em
mim que eu sou teóloga, penso como uma e quero atuar como uma. Quero estudar
mais e criar voz – uma voz feminina – dentro da religião. Quem sabe um dia não
só eu vou me ver como teóloga?
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