Mulheres e o fundamentalismo: A religião no caso da PEC 181/15 (Parte 1)
Em vez do fim da religião, a contemporaneidade reafirma a religião com um papel central
na sociedade. Mesmo esta não sendo o local principal na produção de sentido, esta ainda
é fundamental no espaço público e na construção de personalidade pós-moderna. Há a
ascensão da ideia de indivíduo e isso mexe na religiosidade. A grande questão trazida por esse processo de secularização foi a diferenciação a qual
separou a religião daquilo com o que ela comumente se misturava (Taylor, 2010). Foram,
assim, criadas esferas específicas onde a religião iria atuar e estes não valeriam para outras
esferas sociais, como o da saúde e da educação. Isso não significa, porém, que a religião
foi marginalizada ou que se saturou, muito pelo contrário. Antes a religião moldava a
sociedade e agora ela continua preponderante, de modo privado. Este modo privado muda
de forma direta a sociedade porque as pessoas também convivem no espaço público.
Nos movimentos feministas cada vez mais se afirma que o privado também é publico e estas duas dimensões estão cada vez mais em conexão, especialmente quando o tema é religião. A paleta de opções religiosas e não religiosas se ampliou, todavia, não só isso, mas também o lugar do espiritual na vida social. A secularização não minou a fé, porém fez outras formas de recriar-se a espiritualidade e o indivíduo se torna referência de sentido. Lipovetsky (2005) diz que a sociedade é “psi”, isso é, voltado para o psicologismo que focam no niilismo, hedonismo, egocêntrico, não reconhece a alteridade, utilitarismo. Rompe-se a ideia de comunidade, solidariedade, forte ênfase no indivíduo como valorfonte. Nessa situação, o outro pode ser objeto do meu prazer e a memoria não é importante. Há perda da memória, vínculos, raízes e o não-lugar tem uma história de produção.
Nos movimentos feministas cada vez mais se afirma que o privado também é publico e estas duas dimensões estão cada vez mais em conexão, especialmente quando o tema é religião. A paleta de opções religiosas e não religiosas se ampliou, todavia, não só isso, mas também o lugar do espiritual na vida social. A secularização não minou a fé, porém fez outras formas de recriar-se a espiritualidade e o indivíduo se torna referência de sentido. Lipovetsky (2005) diz que a sociedade é “psi”, isso é, voltado para o psicologismo que focam no niilismo, hedonismo, egocêntrico, não reconhece a alteridade, utilitarismo. Rompe-se a ideia de comunidade, solidariedade, forte ênfase no indivíduo como valorfonte. Nessa situação, o outro pode ser objeto do meu prazer e a memoria não é importante. Há perda da memória, vínculos, raízes e o não-lugar tem uma história de produção.
Hervieu-Léger (2008) comenta sobre este tema em O Peregrino e o Convertido. Para ela,
a secularização não diz respeito somente ao encolhimento da religião a uma esfera, mas
diz respeito a uma nova forma de crer. Surge as religiões “à la carte”, religiosidade
flutuante, crenças relativas, religiosidade vagante. Não é possível encontrar uma
explicação final para esse fenômeno, mas, sim, encontrar fios da meada que ajudam a
compreender. Sandra Duarte de Souza também comenta sobre essas mudanças em
Trânsito religioso e construções simbólicas temporárias: uma bricolagem contínua
(2001).
Para a autora, a religião deixou de ser central, como o axial do ocidente, mas isso
não significa que a secularização não funcionou. O fato da religião se espalhar e não se
limita mais dentro das instituições mostra que a secularização favoreceu a espiritualidade.
Outra característica é a falência dos sistemas éticos (Pierucci, 1998) e o sujeito fica meio
perdido no meio de tudo isso. A oferta é cada vez mais homogênea. O sujeito religioso
era um objeto das instituições religiosas e agora transita e pode até querer algo para fixar.
As instituições se aproveitam dessa busca e mudam a forma de atrair pessoas e, nesse
processo, usam a mídia e a política. E isso acontece principalmente para o controle dos corpos femininos.
As relações entre homens e mulheres sempre foram diferenciadas. Para Simone de
Beauvoir (1980), o sexo feminino seria o segundo sexo, aquele que é outro, enquanto o
masculino como a referência, o neutro. Esta diferenciação social causa desigualdades que
atingem as mulheres na área econômica, industrial, educacional, política, entre outras. A
mulher, assim, é socializada para o prazer masculino e para ser complementar a ele. A
sua célebre frase “não se nasce mulher, torna-se” (1980, p.9), enfatiza o caráter social do
gênero e não biológico, evidenciando uma diferença que é apenas genital e em algumas
vezes biológica, mas em sua maioria, pautada por determinações arbitrárias da sociedade
sobre o que é ser homem e o que é ser mulher. O que se constrói como masculino e
feminino são produtos históricos e políticos.
Joan Scott (1995) coloca que o termo gênero é, quase sempre, vinculado a mulheres.
Também reafirmará que a diferença sexual é hierarquizada, dentro de uma forma de
pensar dual e engessada e naturalizada. Além disso, a autora pontua que o gênero é algo
imposto no corpo sexuado, sem ter escolha direta do sujeito. Isso construiria uma relação
de poder a qual homens estariam sempre como prioridade para a sociedade – o que se
chamaria de patriarcado. Apesar das continuidades e descontinuidades, este modelo
possui milhares de anos e mantém estes lugares sociais. O importante no patriarcado seria
unicamente dominar as mulheres e seus corpos.
Desde a idade média, o desejo é associado
a concupcencia e a transgressão. As mulheres, principalmente, seriam controladas pelo
desejo e ser incapaz de se colocar racionalmente. Suas características seriam a lascívia e
sensualidade, pois seu foco seria a reprodução.
Nesse sentido, as diferenças nas motivações entre homens e mulheres para a escolha da
religião estão relacionadas a estes lugares sociais. As motivações das mulheres estão,
prioritariamente, para o âmbito familiar enquanto a do homem, de seu cuidado próprio,
centralizado em si (Machado, 2005, Souza, 2011). Estas diferenças estão relacionadas a
expectativa construída para cada gênero, onde a mulher é do campo privado, familiar,
retraído enquanto o homem para o público, para o trabalho (Beauvoir, 1980).
Na própria literatura religiosa isso aparece com muito vigor. No livro de Números
(BÍBLIA, 1969) capitulo 5.11-31, encontramos a descrição de um ritual religioso
realizado no santuário e ministrado pelo sacerdote cujo objetivo era mobilizar forças
espirituais a favor do homem ciumento, que mesmo sem provas, suspeita de que sua
mulher tenha sido infiel. O código legal levítico representado em Números 5.11-31 é uma
ilustração de como os códigos legais da cultura bíblica, em diferentes períodos, tratavam
o corpo e a sexualidade da mulher. O Código de leis que regia o povo de Israel escrito
por homens de uma elite sacerdotal é uma expressão de como as mulheres eram afetadas
por um código legal no qual as mulheres aparecem sub-categorizadas como
posse/propriedade familiar. A lei, portanto, tratando a mulher como propriedade,
legislava sobre seu corpo afim de evitar prejuízos ao patrimônio do homem-proprietário.
Número 5.11-31 é uma expressão dos valores e prática patriarcal referente ao corpo das
mulheres na sociedade israelita. A posição do sacerdote como legislador/mediador entre
Deus e a comunidade é exemplificada pelo ritual descrito acima. O papel do sacerdote
era distinguir entre o puro e o impuro, e para tanto, era revestido de autoridade para
examinar e decidir se uma pessoa ou objeto era impuro. E prescrever o meio pelo qual a
pureza pessoal ou cultural poderia ser alcançada ou restaurada.
O controle social estava
em grande parte na mão da classe sacerdotal.
As mulheres foram as maiores vítimas de todo sistema sacerdotal do puro e impuro. Neste
sistema, o sumo sacerdote era o pretenso mediador responsável por garantir a vida e a paz
no meio do povo. Muitos rituais de purificação eram estabelecidos para realizar a “paz”
e a “saúde” interrompida pela impureza. Assim o homem sempre regularizaria sobre os
corpos femininos.
O código levítico, portanto, era em grande medida instrumento de controle e dominação
do corpo e da sexualidade das mulheres na sociedade israelita. O útero como parte do
corpo da mulher que mais interessava ao Estado e a religião era mantido sob o controle
do Estado e a serviço da família e da sociedade, através dos muitos mecanismos legais e
religiosos.
Quanto a busca de espaços de resistências, Linda Woodhead (2013) faz tal análise dentro
da religião. Ela diz que não é possível olhar para os objetos das Ciências Sociais sem
olhar para a questão de gênero. As relações de poder que se encontram no mundo secular
afetam diretamente a relação de mulheres com a religião. O gênero afeta na produção de
conhecimento sobre religião. Assim, a autora comenta que a falta desse tema faz que o
autor não perceba os detalhes que estão interligados na religião. Por exemplo, a religião
pode reforçar ou transformar as relações de gênero, pois se a ordem social é sexuada, a
religião também é.
Isso influenciam as mulheres na hora da escolha para qual religiosidade seguir. Homens
migram mais para a não religiosidade enquanto as mulheres para outras religiões. A
migração das mulheres da igreja católica para outras religiões seria que, no catolicismo,
temas como divórcio e aborto são tabus e estão diretamente ligados às mulheres. A autora
Sandra Duarte de Souza (2006) percebe tais especificidades em suas pesquisas.
Na pesquisa de campo realizada pela autora, esta aponta que as entrevistadas relatam
insatisfação com as instituições de origem e possuem dificuldade de se identificar com
elas. Apesar destas mulheres ainda participarem da comunidade de fé, estas tem relatado
pouco sentido para a vida delas e, consequentemente, são as que mais realizam o trânsito.
No caso das mulheres, a busca tem novos sentidos, como uma forma de se empoderar.
Contudo, as instituições, não querendo tirar seu controle sobre os corpos femininos,
buscam novas maneiras de vigiar as mulheres. A castidade como sacralizada continua e
agora busca formas políticas de controle.
Assim, todas fazem negociações diferentes dependendo de classe, raça e dinheiro
(Machado, 2005). Apesar de mulheres não são homogêneos, mas todas são sujeitos ativos
no processo de negociação, podendo ser externa entre religiões ou internas na fé
escolhida. Diversas vezes, estas são iniciadas a vida pública, tendo oportunidade de falar
por exempo no púlpito. Desse modo, as mulheres vão sobrevivendo dentro do controle
político.
(continua)
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