O que aprendi de minha crise espiritual de 2021 – Ou sobre um Jesus fora do presépio.
Nosso texto base será Lucas 2.1-7, que diz:
Naqueles dias, foi
publicado um decreto de César Augusto, convocando toda a população do império para
recensear-se. Este, o primeiro recenseamento, foi feito quando Quirino era
governador da Síria. Todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade. José
também subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, para a Judeia, à cidade de Davi,
chamada Belém, por ser ele da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com
Maria, sua esposa, que estava grávida. Estando eles ali, aconteceu completarem-se
lhe os dias, e ela deu à luz o seu filho primogênito, enfaixou-o e o deitou
numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Eu
amo Natal e, particularmente, amo presépios. Quem vê minha casa percebe de modo
muito evidente isso. Tenho vários, faço uma pequena coleção. De modo muito
especial eu sinto que o presépio é um dos poucos símbolos populares de Natal
que me remetem a Jesus. Podemos falar do símbolo da estrela, da luz até mesmo
da família, mas nada disso em si aponta para Jesus. Só o presépio que é Dele,
só Dele.
Mas,
ao mesmo tempo, eu percebi no presépio um certo desconforto para mim.
Durante
o ano de 2021 eu me vi como nesse texto Bíblico. As atividades aconteciam no
meu dia a dia e eu fui deixando Jesus meio de lado, não dando espaço em
hospedagens boas em mim mesma. Eu olhava para a urgência de Jesus – um casal
grávido, prestes a dar a luz – e simplesmente os coloquei de lado na minha
vida. Deixei-os ficarem no que desse.
Deixei
mesmo a pessoa que eu mais amo nascer no lugar mais secundário. Deixei uma
mulher – e isso particularmente para mim é importante porque eu trabalho com e
sobre mulheres – ter seu filho em um dos piores dos lugares. Desamparei um
homem simples.
Deu
para eles ficarem em uma estrebaria na minha vida. A criança nasceu no meio do
feno mesmo. E hoje eu olho isso, no presépio, minha falta de cuidado com minha
vida espiritual.
Nisso
eu trago duas lições que quero que a gente pense junto.
·
Primeiro, Deus é tão bom, tão incrível que
ele não vai deixar de nascer porque eu não dei meu melhor. O parto,
independente se tem hospital, normal ou cesária, anestesia ou não, ele acontece.
É uma força da natureza. Jesus nasce, faz acontecer, nos usa independente
disso.
Tem um conceito teológico
que eu não lembro o nome, mas que diz respeito aos feitos espirituais terem
eficácia apesar de quem os faz. A ceia tem efeito independente se quem fala as
palavras estar bem ou mal espiritualmente. A pregação pode funcionar
independente do meu estado. Eu vivi isso 100% do meu ano e hoje eu estou nessa.
Cada grupo de mulher, cada até mesmo aula que eu dava na faculdade, pacientes, foi
graça. Então a primeira coisa que eu quero que falemos é: Não fique com medo
de você estar mal porque Jesus vai estar com você. Ele não nos deixa.
Porém,
o segundo ponto completa o primeiro.
·
Jesus vai continuar agindo, mas quem vai perder
o privilégio de ter o melhor da presença de Jesus é a gente. Se acomodar é
perder a potência de que pode ser o nascimento de Jesus. Quantas parteiras
poderiam ter visto o Cristo nascer! Quantos donos de hospedagem poderiam ter
participado disso! Quanta gente e temos o relato de poucos pastores, animais,
sábios do oriente que tiveram a coragem de não se acomodarem e darem mais do
que podiam – afinal, eles não estavam já na cidade. Nós já estamos na cidade,
somos Cristãos, temos condições para dar nossa casinha, nosso tempo, nossa
saúde, nosso tudo para Jesus. Somos donos de hospedaria.
Por isso eu quero
convidar a uma autorreflexão muito íntima e pessoal que pode andar ao lado de
uma ceia. O que falta para eu dar meu melhor para Jesus nascer da melhor forma
que eu possa ver? Não porque ele precise, mas porque eu o amo.
Eu fiz essa listinha
minha e vou compartilhar com vocês como uma forma de expor meus pecados em
comunidade:
·
Gastar tempo de qualidade devocional
·
Voltar a escrever e conversar com Deus
·
Tomar cuidado com minhas paixões
·
Continuar insistindo, mesmo quando não quero.
·
Estar em coletivo.
Cada um sabe onde dói e é difícil. Convido que cada um faça
sua própria listinha e deixe dentro de sua bíblia, perto do texto de Lucas 2.
Isso
tudo é um caminho que possamos crescer em amor e profundidade com Jesus para
2021. Com isso quero fechar esse percurso com um texto da bell hooks, uma das
maiores feministas negras da nossa geração que morreu no dia 15/12 desse ano.
Ela diz em seu livro “tudo sobre o amor” de 2000 e publicada em 2021, em seu
capítulo “espiritualidade: o amor divino”:
“Compromisso com a
vida espiritual exige que façamos mais que ler um bom livro ou ir a um retiro
restaurador. Demanda prática consciente, uma disposição de unir a forma como
pensamos e a forma como agimos. A vida espiritual tem a ver, em primeiro lugar,
com o compromisso com uma forma de pensar e agir que honre os princípios de
interconexão e simbiose. (...) O compromisso com a vida espiritual
necessariamente significa que abraçamos o princípio eterno de que o amor é
tudo, todas as coisas, nosso verdadeiro destino. Apesar da pressão massacrante
para nos conformarmos à cultura do desamor, nós ainda buscamos conhecer o amor.
Essa busca em si é uma manifestação do espírito divino. O niilismo que ameaça a
vida é abundante na cultura contemporânea, atravessando as fronteiras de raça,
classe, gênero e nacionalidade. Em algum ponto, ele afeta a vida de todos. Todo
mundo que conheço às vezes é derrubado por sentimentos de depressão e desespero
em relação à situação do mundo. Seja pela presença mundial da violência
manifestada na persistência da guerra, da fome e da miséria provocadas pelo
homem, pela realidade de um cotidiano violento, pela presença de doenças que
representam risco de vida e causam a partida inesperada de amigos, de
companheiros, de pessoas que amamos, há muitas coisas que podem levar alguém à
beira do desalento. Conhecer o amor ou a esperança de conhecer o amor é a
âncora que nos impede de cair num mar de desânimo profundo. (...) A
espiritualidade e a vida espiritual nos dão forças para amar.”
Que
a gente possa amar e experimentar mais cuidado com nosso Jesus.
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