Força
Aviso de gatilho: violência física, sexual, pedofilia, automutilação.
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Acesse a sua força. – Foi a última expressão que minha terapeuta falou.
Assim,
vagamente, parece uma frase pronta que qualquer site ou postagem de saúde
mental estaria dizendo a fim de impactar pessoas que não muito corriqueiramente
pensam sobre si. Para quem sabe pouco, pouco basta. Porém sou uma doutoranda em
psicologia, uma teóloga. Para quem se enrijeceu muito, muito é necessário,
pouco me afeta.
Difícil
ser cristã quando pouco te afeta. No caso de ser psicóloga, até é bom. Mas
quanto a minha fé, se torna bastante difícil.
Recentemente
meus pais me convocaram a ver vídeos de meus aniversários, de um a oito anos.
Meu marido precisava ver e eu acho essa nostalgia levemente divertida. Me vi
rindo e me divertindo, abraçada com amigos e familiares e por um instante até
longo eu realmente acreditei que tinha tido a infância perfeita. Cheguei a me
questionar por que eu me neguei tanto a gostar de me ver criança. Que besteira!
Era uma criança tão feliz.
Porém,
na terapia eu precisei me lembrar. É, eu me neguei a gostar da minha infância
por anos por causa de bullying, violências físicas, morais e, infelizmente
sexuais. Infelizmente me lembrei dos homens que pediam foto minha quando apenas
tinha 11 anos. Me lembrei de como fui enganada por um e fui violentada
sexualmente. Lembrei-me das vezes que me desprezavam por ser uma criança gorda,
roubando meus pertences, batendo em mim. Me lembrei do menino que me falou que
eu deveria morrer.
Coisa
que eu já falei para diversos terapeutas, temas que eu já não sofria nem mais
de contar.
Mas
parecia que eu já não estava mais acostumada a contar o como eu saí dessa
situação. O como um dia eu senti Deus falando comigo em um momento que eu
estava me cortando. Senti o meu sangue se misturar com o de Cristo, de que a
minha dor era a dele e que “não era a minha hora”. Talvez narrativamente já
havia entrado em contato para testemunhar e contar da minha vivência.
O
que eu senti, dessa vez, que eu não estava entrando só em contato com a minha
conversão, mas com o sentimento que estava tendo naquele momento. O coração
aquecido, acolhido, protegido, como numa armadura de fé. Senti como Sião, que
sonha e se enche de riso, que chora e que colhe os feixes.
Me
vi como quem colhe os feixes que eu nem lembrava o quanto havia chorado para
plantar.
Mas
eu chorei, sim. Não foi uma simples infância feliz. Realmente acreditei que
tudo havia sido roubado de mim. Achei por anos que nunca mais seria feliz
afetivamente e sexualmente devido ao que vivenciei. Chorava na rua, com
terapeutas, psiquiatras, com amigos, na igreja, no colo de outros e no meu
próprio. No colo de Fernando principalmente e infelizmente.
Esquecer
do porquê os feixes estavam onde eles estão, do que eu senti é sinal da vida
endurecida que me coloquei. A Rebecca de 13 anos tinha uma força de fé que anos
depois foi retirada, apagada. Não que esta do passado fosse mais feliz ou mesmo
mais potente espiritualmente. Não, não há glamour nostálgico. Há apenas
reconhecimento de uma potência esquecida.
E
não uma potência qualquer. Esqueci daquilo que me fez estar viva hoje. Que
ironia.
Mas
hoje tudo o que eu quero é acessar esta força. Sentir meu tronco se fortalecer,
se expandir, ter o coração aquecido de John Wesley. E agradecer a graça.
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