O mito da conversão (Em blogs parceiros - Parte II)
Por que nós
vemos tanta igreja por ai? Por que achamos importantes as igrejas?
Algumas
comunidades, – já digo, pode ser neopentecostal ou não – baseadas na Teologia
da Prosperidade e antropocentradas, são construídas na busca de poder político
e sobre os corpos da nossa comunidade. Porém, a maioria das igrejas que
conhecemos, aquelas pequeninas que foram criadas na garagem do seu vizinho que
fala muito bem, por mais que acabem exercendo poder sobre as pessoas, não tem
esse objetivo primeiro.
O seu Manuel,
que durante a semana faz pão e domingo vai pregar, tem um desejo muito legítimo
e sincero de que as pessoas se convertam. Ele pode até pedir para a mulher
deixar de usar calça, mas é porque ele ama e deseja profundamente salvar sua
alma. Da mesma forma, quando um missionário vai para uma tribo e sugere que os
membros deixem práticas da cultura, não é porque ele quer destruir uma cultura.
É porque, na cabeça dele, ele prefere um índio sem cultura no céu do que
enraizado na sua terra e no inferno.
Ah, a conversão!
A Metanoia, mudança de direção de
vida que ouvimos tanto em nossos cultos jovens. É tão bonito ver pessoas
entregando a vida para Jesus. Fui criada na Igreja Presbiteriana, então eu
cresci vendo as pessoas indo a frente da igreja declarando seu amor para Jesus.
Eu imagino como deve ser emocionante ver alguém descer as águas. É uma
experiência de quebrantar a todos e faz parte da nossa história de fé. São
essas conversões lindas, de um homem que saiu das drogas, de uma mulher
escravizada na prostituição que está livre, que nos fortificam. É para isso que
temos igreja! Para mudarmos de vida!
Mas, de fato,
mudamos de vida?
Se a gente
responder rápido, numa perspectiva teológica bastante simples, vamos dizer: “Claro!
Só não estamos perfeitos porque existe o pecado em nós”. E, sim, essa resposta
é correta. Porém, ela requer uma complexificação sociológica, que nós estamos
deixando escapar.
Numa pesquisa
realizada na frança, em 2008, houve-se a resposta de que 42% da população se
declara católica e que 75% circula entre outras religiões e denominações. Eu
sou de humanas, mas não precisa ser muito matemático para ver que esses números
se misturam. E, no caso brasileiro, as coisas não são muito diferentes. Numa
população onde 86% se considera cristão (seja católico ou evangélico), uma
pesquisa recente viu que a população brasileira acreditava mais em reencarnação
do que em ressurreição, mais em astrologia do que na concepção virginal de
Jesus. Como pode isso se apenas 2,2% da população se considera espírita e 0,3%
se considera de umbanda ou candomblé, segundo o IBGE de 2010? Como pode, se os
esotéricos correspondem a 0,04% da população? Como uma parcela tão pequena da
população consegue, por exemplo, colocar horóscopo no metro, no jornal e em
tantas redes sociais? Porque, de fato, não são só eles que acreditam.
Outra pesquisa
realizada na Marcha para Jesus no Rio de Janeiro, descobriu um número
significante de evangélicos a favor do casamento homoafetivo, do aborto e dos
métodos contraceptivos. Da mesma forma, outra pesquisa feita na JMJ, apontam
dados parecidos.
Olhando esses
dados grandes parece que esta realidade sociológica é algo distante, vago. Algo
que os outros, os “não-convertidos” fazem. Mas ai tem o pulo do gato.
Você, leitor,
quando se converteu, fez algo que hoje você vê como nada a ver, achando que era
pecado? CD de rock, cartas de magic,
mangás, roupas curtas, brinco na orelha? Provavelmente você fez algo ou sabe de
pessoas bem próximas que fizeram isso. Mas, com certeza, você não é a mesma
pessoa do dia da sua conversão. Não porque você tenha perdido o primeiro amor,
porém, como diria Sandra Duarte de Souza, autora e assistente social, as pessoas negociam com a religião. Todas as pessoas.
E isso está
muito relacionado com o urbano, seja na cidade ou como se manifesta no campo.
Em um espaço de muitas opções, muitas mídias e possibilidades, não existe como
você não compor sua espiritualidade, como uma bricolagem, um híbrido daquilo
que te compõe. Isso pode acontecer de muitas formas.
Regina Novaes, cientista social, sintetiza um dos grupos como os evangélicos genéricos. Este termo era usado
apenas da circulação de cristãos entre o meio pentecostal e neopentecostal. Um
dia a pessoa está na Universal, outro dia na Mundial e no domingo na Assembléia
de Deus. Contudo, acredito que seja reducionista e estereotipado reduzir para o
neo e o pentecostalismo. Conhecemos
pessoas que sábado estão em grupo jovem da Hillsong, durante a semana vão numa
reunião de oração da presbiteriana perto do trabalho, na manhã de domingo estão
na Assembleia de Deus e, no mesmo dia à noite, estão assistindo o culto do Ed
René, na Igreja Batista de Água Branca. A igreja de origem não acredita em
predestinação, mas ele crê porque na reunião presbiteriana ele ouve isso. Ele
também acredita no dom de línguas, mas também na missão integral e no
evangelicalismo. Resumindo, somos tudo menos lineares. A coisa mais certa que
pode se dizer de um fiel é que ele é, na verdade, infiel a uma doutrina.
Que doutrina?
Doutrina de quem? Pecado para quem? Bíblia? Mas cada igreja tem uma versão da
bíblia. Ortodoxia? Mas cada igreja tem sua ortodoxia. Numa igreja é proibido
usar brinco, porque seria pecado. Em outra igreja a pastora é uma mulher trans
e noutra o pastorado feminino é proibido. E quem vai decidir o que está certo?
Sua experiência de fé em contato com tudo aquilo que te compõe.
É ilusão achar
que o que acreditamos que é cristão é algo fechado, estruturado e que é aderido
totalmente. Provavelmente sua igreja esperava que você fosse diferente do que é
hoje, te questiona ou você mesmo não acha que ser cristão é isso que eles
dizem. Por que o que é ser cristão? O que é seguir a cristo? O que é ter Jesus
como único e suficiente salvador? Isso diz respeito a sexualidade da pessoa ou
se ela acredita em signos? Onde estão os limites?
Nossas igrejas
sabem que seus jovens – e os adultos também! - fazem essa bricolagem e forçam,
a todo custo, moldar essas pontas, arredondar tudo num modelo. Mas é uma briga perdida, hipócrita, porque
mesmos os pastores não concordam com suas instituições e estão inseridos
sócio-historicamente. E, numa igreja de 100 pessoas, todas crêem em coisas
diferentes. Assim, as igrejas forçam de
modo tão desesperado, sem sucesso que surge o grande mal desse século: o
fundamentalismo.
Por que se
apegar tanto a um fundamento? Fundamentalismo esse que foi criado no século XIX
e que foi resposta a uma situação daquele momento. Algo absolutamente
sócio-histórico, que nem Lutero acreditava na leitura da Bíblia como única
regra de fé e prática. Que, declaradamente quer se por contrário a todos os
avanços científicos na área da bíblia e sociologia da religião para,
desesperadamente, ter algo a se apegar nesse caos. Uma loucura que tem matado
vidas em vez de dar suporte para a existência da pluralidade. Mal sabem eles
que eles estão apenas repetindo um erro do passado e não fazem nada de
incrível.
O termo
“conversão”, tão importante para Weber, para o puritanismo inglês, perde cada
dia mais o seu sentido. Tenho minhas dúvidas pessoais se, de fato, ele já foi
puro num dia. O cristianismo de Paulo é diferente de João, de Marcos, de Lucas,
Mateus e do próprio Jesus. Quem é convertido? É convertido ao que? O quanto é
convertido suficiente e quanto precisa mudar? Quem faz esse parâmetro, de verdade?
Por isso há tantas dúvidas do que é evangelismo, se é algo que faz sentido e
como isso deve ocorrer. Evangelizar é falar as quatro leis espirituais e a
pessoa receber Jesus no coração. Evangelizei com quatro leis espirituais por
muitos anos, que é um método do movimento estudantil alfa e ômega, e cansei de
ter pessoas orando desejando Jesus no coração e... Ok. Só isso. Que lindo, está
no céu! E... Ser crente é o que?
Quando as
igrejas – e mesmos nós – se frustram por verem pessoas se dizendo cristãs fora
do nosso padrão de conversão, é porque elas mesmas não vêem o quantos elas
mesmas são compostas por sua cultura e não só por isso, mas pelas outras
espiritualidades que estão a volta. Tem coisas pelas quais não adiantam lutar,
pois as composições religiosas sempre existirão e, nesse momento em que
vivemos, ainda é mais ilusório fingir que estas não fazem parte de nós e do
cotidiano do cristianismo na cidade. Não adianta demonizar. Isso não é
impureza, pois a pureza é completamente questionável. Então, por que não olhar
essa pluralidade de cristãos com respeito e acolher como são? Talvez a gente
perceba mais irmãos para caminhar do que imaginávamos.
E que isso faça
a nossa família da fé cada dia mais rica.
Escrito para o Blog Cristo Urbano em setembro. http://www.cristourbano.com.br/2017/09/o-mito-da-conversao.html?m=1
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