Eu não sou SUA LOCA! (sobre saúde mental e fé - Parte I)
[Pintura de Louis Wain durante sua piora no diagnostico de esquizofrenia]
No material sobre a história da
loucura, em Foucault, temos uma compilação do que teria sido o processo para
entendermos o que hoje chamamos de loucura. Bem resumidamente, no que
consideramos história antiga, temos relatos de como a loucura era vista como
uma forma de manifestação do sobrenatural. Essa manifestação poderia ser
positiva, tendo culturas que cultuavam aqueles que eram diferentes. Eram filhos
dos deuses, tinham dons e experiências consideradas divinas e incomuns para a
maioria dos mortais. Entretanto, muitas culturas – como a judaico-cristã – essa
expressão era vista como negativa. Algumas assassinavam as pessoas assim que
elas manifestavam sintomas. Em outras, como a que originou nossa cultura,
simplesmente viam como algo ruim, negativo e muitas vezes como uma possessão
demoníaca.
Com o advento da ciência, apesar
de mudar o que consideravam como causa, a forma que o ocidente tentou lidar com
a patologia psicológica continuou nessa perspectiva da negatividade, que
precisava ser curada, doentia e que precisava ser presa. Afinal das contas, é
um louco! O que faz de útil para a sociedade?
Se é mulher, isso se dá pelo fato
de sua essência ter atração para a loucura. Bourdieu reitera das polaridades
que o sistema de gênero constrói: bem e mal, sol e lua, Razão e loucura, homem
e mulher. A mulher teria uma tendência, uma sensibilidade a sair de si, de não
ser racional. Freud chamou as suas pacientes primeiras de histéricas porque Hister é um termo para útero. Se a
mulher for negra, mais rapidamente ainda virá o diagnóstico de agressiva e
louca. Se for pobre, a não saúde mental é confundida com preguiça, com uso de
drogas e como uma “incapacidade natural ao trabalho”. Isso tudo só mostra como
não há nenhum diagnóstico que não passa pelo aspecto de raça, classe e gênero.
E no meio disso tudo ainda
estamos nós, loucas, vivendo numa sociedade que não é totalmente secularizada e
também não é totalmente teocrática. Nem a ciência, nem a religião reinaram no
caso latino-americano, principalmente brasileiro. Podemos debater de uma forma
muito correta de que há momentos que um ou outro estão mais valorizados, mas o
Bruno Latour já diz: nunca fomos modernos! Nenhuma das duas reina absoluta. E,
comento mais, mesmo se reinassem, não sei se, de fato, a saúde mental seria
melhor resolvida.
Explico: a ciência não tem a cura
de muitas doenças mentais. Esquizofrenia, Transtorno de Personalidade
Antissocial e as muitas do DSM-V são tratadas com medicamentos que diluem os
efeitos e, em alguns casos, consegue até ter uma vida comum. Isso não é uma
crítica, mas um fato. Inquestionavelmente a indústria farmacêutica, os
psicólogos, psiquiatras e outros profissionais da saúde mental avançaram
absurdamente e faz em extremo bem a pessoas graves e que tinham chance de
morrer – como eu, sem nenhum medo de dizer.
A cada avanço há mais dez
retrocessos. Não só pela luta antimanicomial no Brasil que ainda não conseguiu
eliminar o encarceramento de muitos, mas também pelo enorme número de
diagnósticos estigmatizantes que surgem a cada CID e DSM. O que era uma forma
da pessoa ter um diagnóstico a fim de construir um tratamento melhor, se tornou
mais uma forma de patologizar a vida e medicalizar pessoas à toa, de forma a
não se aceitar e se tornarem dopadas para o mundo. Então temos uma ciência que
quer ser hegemônica. Esta não andou ao lado da humanização e por isso o Brasil
é um dos maiores consumidores de remédios do mundo.
E, no outro lado temos essa
teologia que vai para além do estigma e pune aqueles que tem sua saúde
fragilizada. A leitura de que, por exemplo, uma pessoa depressiva pode ser curada
a partir do exorcismo carrega para muitos um fardo eterno. Essa mentalidade
traz muito dinheiro a igrejas, pois aproxima pessoas que sinceramente querem
viver bem, serem “normais” e principalmente, serem amadas por Deus. Quantos
psicólogos cristãos emergem dessa teologia! Quantos pastores vendendo cursos e
palestras para ganhar dinheiro a custo da saúde de seus membros! Quantos casas
de recuperação recebem pessoas em surto, em mania ou de humor deprimido e são
extremamente malcuidados, por falta de suporte técnico necessário! Ouvimos
sempre falar que o espiritual é a solução final para estes problemas.
Depressão, transtorno de estresse pós-traumático, síndrome do pânico, por
exemplo, são doenças que comumente encontramos em livros sobre espiritualidade
ou na sessão de autoajuda.
Acoplado a isso, temos toda uma
leitura da loucura baseada nos escritos proverbiais, aonde o louco é o oposto
da pessoa sensata. O louco é também o tolo, o fracasso e aquilo que Deus não é.
Junto a isso, temos a cultura hebraica que separava parte dos seus doentes para
fora das cidades, não podendo em muitos casos até tocar. Assim, quando Jesus
vem e cura endemoniados que, várias vezes, estão fora das cidades, logo se
associa como se estes fossem o que chamamos hoje de esquizofrênicos.
Curiosamente, nesse sentido a
religião e a ciência deixam de lado todas as suas brigas. O governo acha
interessante bancar centros de recuperação evangélicos porque quer investir em
tratamento para aqueles que sofrem doença mental e são pobres, negros,
marginalizados. A ciência, muito mais preocupada no lucro que se pode ter com a
família destes sujeitos, não procuram lutar com tanta força por mais CAPS.
Patologizar dá mais dinheiro.
Porém, queridos, eu quero dizer
que existem rotas de fuga! Existem teologias e psicólogos sérios que trabalham
a questão da saúde mental e este será o foco em próximos textos.
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