Saúde mental, a igreja e a nossa libertação [Pregação]
Luis
me fez o convite para fazer a pregação pensando na campanha do Setembro
Amarelo, já que seria o último dia do mês. Setembro Amarelo surge em 2014
graças a um acordo da CVV (Centro de Valorização da Vida), Associações médicas
e de psiquiatria. Já existe a data de combate ao suicídio desde 2003, sendo 10
de setembro, mas faz pouco tempo que decidiram criar uma campanha de um mês. Se
trata de uma campanha preventiva, de estimular com que as pessoas se cuidem
quanto a sua saúde mental de modo responsável, ok? E isso a Bíblia até nos
ajuda a lidar, como vamos ver hoje. Eu já estive nesse lugar de desejar morrer,
não uma nem duas vezes, mas algumas. E em uma das vezes o texto que Deus me
trouxe para ajudar nesse processo é esse que vamos conversar, que está em Lucas
8.26.39.
E navegaram para a terra dos gadarenos, que está
defronte da Galiléia.
E, quando desceu para terra, saiu-lhe ao encontro,
vindo da cidade, um homem que desde muito tempo estava possesso de demônios, e
não andava vestido, nem habitava em qualquer casa, mas nos sepulcros.
E, quando viu a Jesus, prostrou-se diante dele,
exclamando, e dizendo com grande voz: Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do
Deus Altíssimo? Peço-te que não me atormentes.
Porque tinha ordenado ao espírito imundo que saísse
daquele homem; pois já havia muito tempo que o arrebatava. E guardavam no preso,
com grilhões e cadeias; mas, quebrando as prisões, era impelido pelo demônio
para os desertos.
E perguntou-lhe Jesus, dizendo: Qual é o teu nome? E
ele disse: Legião; porque tinham entrado nele muitos demônios.
E rogavam-lhe que os não mandasse para o abismo.
E andava ali pastando no monte uma vara de muitos
porcos; e rogaram-lhe que lhes concedesse entrar neles; e concedeu-lho.
E, tendo saído os demônios do homem, entraram nos
porcos, e a manada precipitou-se de um despenhadeiro no lago, e afogou-se.
E aqueles que os guardavam, vendo o que acontecera,
fugiram, e foram anunciá-lo na cidade e nos campos.
E saíram a ver o que tinha acontecido, e vieram ter
com Jesus. Acharam então o homem, de quem haviam saído os demônios, vestido, e
em seu juízo, assentado aos pés de Jesus; e temeram.
E os que tinham visto contaram-lhes também como fora
salvo aquele endemoninhado.
E toda a multidão da terra dos gadarenos ao redor lhe
rogou que se retirasse deles; porque estavam possuídos de grande temor. E
entrando ele no barco, voltou.
E aquele homem, de quem haviam saído os demônios,
rogou-lhe que o deixasse estar com ele; mas Jesus o despediu, dizendo:
Torna para tua casa, e conta quão grandes coisas te
fez Deus. E ele foi apregoando por toda a cidade quão grandes coisas Jesus lhe
tinha feito.
A
história do endemoniado geraseno está em Marcos e Lucas de modo mais
aprofundado e parecido. Em Mateus é interessante porque temos essa história um
pouco diferente, fala de dois endemoniados e é bem mais compacto os detalhes.
Por isso escolhi Lucas. Sabemos hoje em dia, temos estudos que mostra há
diferenças entre uma manifestação espiritual e psicopatológica. Aliás,
recomendo o livro Religião, Psicopatologia e Saúde Mental do Dalgallarondo, que
se acha gratuito na internet, para quem tem interesse em saber mais.
Mas,
para além da manifestação espiritual em si, eu quero observar com vocês três
pontos que podem nos ensinar sobre saúde mental.
·
Havia uma pessoa, um ser humano, em sofrimento e
que estava sendo mal cuidada. Jesus quer que essa pessoa seja tratada como
deve. Jesus quer vida em abundância!
A
história conta de um homem sem nome, sem roupas, sem casa. Um homem que era
jogado em prisões, ia para desertos, vivia em sepulcros. Apesar de ser um homem
considerado “endemoniado”, não havia nada na lei que justificasse uma pessoa
ser tratada assim. Não era uma doença contagiosa e, se o fosse, havia um local
ao qual essas pessoas deveriam ficar. Existiam pessoas que sabiam da existência
deles e o prendia. Não havia dignididade e, sem dignidade humana, não há saúde
mental. Como ficar são se não há cuidado, se não há casa, roupa? E Jesus
restaura tudo isso.
Jesus
propõe uma coisa muito complexa para a igreja, que é dar um tratamento digno a
pessoas difíceis.
Para
quem deseja morrer e está me ouvindo hoje, não importa o quanto já te trataram
mal, existe uma pessoa que sabe o que você precisa. Isso não significa uma cura
mágica, pode até ser, mas ele sabe como você deve se cuidar. Na primeira vez
que tentei morrer estava vinculado com o ambiente escolar que eu estava.
Milagrosamente, pedindo ajuda a Deus, abriu seleção para outro colégio e
consegui uma psicóloga que trabalhava com adolescentes. Ele sabe, Ele conduz e
mesmo que a solução não seja a conversão, Ele não fica enciumado que você
procure outras formas de cuidado. Jesus quer que você tenha uma linda vida
plena, alegre, com sentido.
E,
igreja, se você não está se sentindo assim, mas conhece alguém que está nesse
sofrimento, não faça como os gadarenos. Não esconda essa pessoa, não a prenda,
não deixe essa pessoa passar necessidades. Pergunte o que ela precisa,
encaminhe onde pode ser ajudada. Esse povo não era médico nem sacerdote, mas
tinha acesso a essas pessoas. A prática de exorcismo não nasceu com Jesus.
Então, que solução é essa de prender um homem sem casa nem nada? Quantas vezes
queremos ajudar e, por não irmos a especialistas, acabamos atrapalhando mais do
que ajudando? Gente, cuidado em amor. Que vida essa pessoa quer ter? Jesus quer
abundância!
·
Havia uma cidade que não se interessava na saúde
daquela pessoa. Mas Jesus está disposto a dar liberdade!
Creio
que uma das coisas mais graves desse texto e que deve estar no nosso coração é
se queremos, de fato, vermos pessoas libertas. Jesus fala em vida e vida em
abundância, mas será que nós estamos dispostos a isso? Você que está sofrendo,
será que você consegue acreditar que tem um Reino de justiça e alegria? Você
consegue acreditar que tem um Deus que te ama tanto que saiu dos céus, decidiu
virar um bebê, chorar, fazer cocô nas fraldas, viver 33 anos na Terra e ser
abandonado, morto, rejeitado para que você fosse plenamente livre?
Se
olharmos para a humanidade às vezes é difícil acreditar nisso. Afinal, eles
preferiam o lucro dos porcos do que ver um homem livre. Quantas vezes isso
acontece na nossa vida? A quem interessa ver os jovens tendo educação, podendo
escolher seu futuro e não simplesmente como mão de obra barata? A quem
interessa não termos acesso a informações corretas e sermos enganados por
políticos e líderes religiosos? Aliás, será até mesmo que interessa para nossas
igrejas acreditarmos na graça, nos livrarmos de culpa, vencermos tabus que só
aprisionam? O que as igrejas ganham se não tivermos medo? Não digo não ter
temor a Deus, digo não termos medo da condenação. Será que eu e você estamos
dispostos a ceder nossos porcos, nossos privilégios, para fazer outras pessoas
livres? Será que eu e você temos a ousadia de largar os nossos medos para
vivermos uma vida em abundância? Espero que sim e Jesus nos clama para que sim.
·
A libertação é um caminho duro, combativo, mas é
esse que Jesus nos chama.
Eu
sempre fico impressionada que no Evangelho várias vezes Jesus pede para as
pessoas não o acompanhem. Engraçado né? Falamos tanto que o objetivo do
Evangelho é seguir a Jesus, mas com frequência ele pede para a pessoa ficar.
Esse foi um caso. Em um lugar tão hostil, um lugar onde as pessoas preferiam
porcos a liberdade, em um lugar em que viveu maior parte de seus traumas, é ali
que Jesus o chama para ficar.
Que
loucura! Isso não é um padrão na Bíblia, tem vezes que Jesus chama para
acompanhar, mas eu sempre fico chocada com o fato de deixar esse homem ficar. É
totalmente contra o que um psicólogo indicaria, por exemplo. Mas é porque
ninguém se liberta sozinho, como diria Paulo Freire. E essa libertação, essa
vida em abundância, muitas vezes requer confronto.
Saúde
mental não é só ser feliz e viver em paz. É contribuir a proporcionar uma vida
em abundância para todos, encarando medos e angústias. Eu, particularmente,
acho o mais difícil. Percebeu que tratou mal as pessoas? Percebeu que no fundo
você não queria ver seu irmão livre? Ok, então agora que começa o processo.
Percebeu que você esteve mal tratada? Percebeu que você merecia viver algo
melhor? Ok, então agora começa o processo.
É
aqui, é agora. Eu confesso que não gostaria de estar vivendo no Brasil em 2021,
no Rio de Janeiro. Gostaria de não ser quem eu sou no momento que nós estamos.
Mas por algum motivos estranho de Deus, Jesus não quer que eu vá pro céu agora.
E vocês aqui, que estão assistindo o culto, por algum motivo estão aonde estão
e não estão no céu. Encontre o bom combate, complete sua carreira, guarde a fé.
Então
ficamos com essas três lições:
·
Temos cuidado mal, mas Jesus quer nos cuidar
bem.
·
Não nos interessa ver o outro livre, mas Jesus
quer vida em abundância.
·
Queremos uma libertação individual, mas Jesus
nos chama para a libertação coletiva.
Que
Deus nos abençoe.
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