Somente o amor – responsabilidade teológica e afetiva.




Penso que Solo Amor talvez seja a sola que faltou em Lutero por diversos motivos, quando pensamos a história da reforma protestante.

A história sabemos bem, Lutero era um homem de seu tempo. Após um evento traumático a qual quase morreu por um raio, decidiu seguir a carreira monástica agostiniana. Lá, tomou gosto pelos livros e ansiava em conhecer um Deus gracioso, um Deus perdoador. Nesse processo, começou a estudar o Novo Testamento, chegando ao ponto de lecionar e percebeu que, por toda a Europa, crescia o número de pessoas que vendiam bens espirituais – como salvação, lugar no céu etc. – para arrecadar dinheiro para a construção da basílica de São Pedro. Nesse período também havia um grande número de sacerdotes que não cumpriam com seus votos e faziam mal ao povo. Concomitantemente, Lutero descobre em Romanos uma passagem grandemente conhecida – que na verdade, é uma citação do antigo testamento – de que o justo viverá pela fé.  Outros já faziam esse tipo de leitura heterodoxa da bíblia, sem muito sucesso. Os pré-reforma dores foram destruídos, mas Lutero bancou sua teologia, pregou as 95 na Catedral de Wittenberg e começou um grande alvoroço na cristandade.

Não era a primeira vez que a Igreja lidava com pensamentos não hegemônicos. Desde o nosso material bíblico, temos diferenças teológicas entre Apollo, Pedro e Paulo. No início da igreja temos o exemplo dos Gnósticos e Arianos, que foram classificados como “heresias”. Há algum templo fiz uma crítica a noção de heterodoxia nesse texto aqui. E, enfim, temos a divisão com a igreja ortodoxa no sexto século e em diante, inquisições e cruzadas vieram para manter a Ortodoxia – a forma reta (horto) de se fazer (doía) teologia.

Então Lutero não foi extremamente inovador por contestar a igreja. Ele foi inovador porque levou a reforma as últimas consequências, peitando os bispos e o próprio papa; fazendo parcerias que levariam a guerras inúmeras com católicos e também com outras reformas, como aconteceu com Thomas Manter e os anabatistas.

Cinco solas foram instituídas como base: Só a escritura, somente cristo, somente a Deus dê glória, somente a fé e somente a graça. Como coelhos, a reforma começou a se multiplicar a partir desses pilares e do sacerdócio universal até chegar o que somos hoje como evangélicos: um povo biblicista, inativo na vida social porque a fé basta e intolerante com católicos e outras espiritualidades.

E é obviamente que pensando: O que deu errado? O que deu errado para a Europa se tornar extremamente fria? O que deu errado para existir KKK? O que deu errado para ter evangélico tacando pedra em uma menina de Candomblé? O que deu de errado para ter pais que expulsam filhos homossexuais de casa porque seria “aberração de Deus”?

Então surge, como em qualquer momento da história, uma tenra nostalgia de devemos voltar a certas épocas lindas que nada dava errado. A primeira dessas, vinda muito de um pessoal progressista, é a volta ao cristianismo primitivo. E, a segunda mais recorrida pelos cristãos mais fundamentalistas, a reforma protestante.

Essas duas vias estão erradas por motivos similares: nenhuma das duas foram perfeitas, harmônicas e nem teologicamente estáveis. Mas, particularmente hoje, gostaria de que aprendêssemos a partir das falhas da reforma protestante para, sim, construir um futuro.

O que eu chamo de responsabilidade teológica e afetiva? Isso é, ter responsabilidade em suas pontuações teológicas, no encontro com o outro. É pensar as teses de Lutero num sentido radicalmente social.

Como é possível dizer sobre sacerdócio universal e pautar diferenças entre gêneros quanto a liderança? Como falar de livre acesso a bíblia e considerar a leitura periférica das escrituras como ilegítimas porque “não tem exegese”? Como falar de um estado neutro enquanto lutamos a todo custo para transformar o brasil em evangélico? Falando desses grandes temas, podemos perceber quanto as solas, sem pensar nas implicações práticas do que significa fazer teologia – isso é, como é que atualizamos a revelação de Deus – fica numa abstração que mata as pessoas.

Esse foi o erro de Lutero quando ele implanta a ideia do livro acesso a bíblia, mas logo em seguida reprime Thomas Manter e os anabatistas por simplesmente propor uma reforma radical, que assumisse as consequências do que significa dar a bíblia para o povo.

A possibilidade radical de dizer que só a fé salva, é dizer que você não tem controle da salvação pelo mundo, mesmo você podendo dizer que x ou y são pecaminosos. A ideia radical que só Cristo salva é dizer que não tem palavra de Paulo, Moisés, Abraão que importem mais do que a vida do nazareno. A leitura radical da bíblia a todos é aceitar que terão interpretações diferentes, independentemente da cor, classe, gênero e sexualidade da pessoa. Dizer que a graça basta é dizer que não há justiça que seja maior que o perdão. Dizer que só Deus merece a glória é tirar o centro de nossa fé nas ritualísticas e focar no pleno poder de Deus.

E, apesar de Lutero ter ido até o fim nas suas convicções, ele não assumiu o tamanho da responsabilidade que tais decisões teológicas tem. Não assumiu que estas solas, sem o amor, poderiam causar um número gigantesca de diferenças teológicas sem que houvesse diálogo e cuidado. Assim, é necessário pensar a responsabilidade teológica ao lado da afetiva.

Responsabilidade afetiva é um tema bem discutido em movimentos sociais, especialmente nos debates raciais e de gênero. Não é possível perceber as implicações de um pensamento sem ver que, atrás de um pensamento divergente, há uma pessoa. E, no caso do cristianismo, essa pessoa é meu próximo que eu devo amar. Por mais difícil que seja, esse é o foco da nossa fé como escrevi aqui.

Então quando Lutero formulou toda a sua teologia e não sabia o quanto podia afetar a vida de pessoas, ele estava dando um tiro no pé da própria reforma. Sem o amor, as consequências teológicas e afetivas destroem todas as solas já decididas. Independente se seguem ao mesmo cristo, a mesma bíblia, a mesma graça, o mesmo Deus e a mesma fé, se há detalhe na interpretação teológica diferente e falta de amor, não se mantém a igreja. Por isso percebemos hoje a igreja protestante como fragmentada, individualista, arrogantes e fracassando, mesmo quando nostálgica pela reforma.

Então, relembro: somente o amor! Este é vínculo perfeito para perceber até onde nossa teologia pode ir e a quem pode afetar.

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