Sobre encontrar ninho para si
Gostaria de contar uma história
bastante inusitada.
Uma história sobre a coisa mais
importante que aconteceu comigo em 2016.
E essa história é sobre como
encontrei minha igreja.
Era maio de 2015 quando Camila me
perguntou se poderíamos visitar aquela igreja que havia me dito, a que tinha
uma plaquinha na universidade dela. Nós estudávamos em universidades vizinhas
e, com frequência, nos encontrávamos para falar de religião, vida e tudo mais.
Por sorte ou coincidência, essa igreja era no mesmo bairro de nossas
universidades e sabíamos que havia uma possibilidade de irmos lá numa quarta-feira,
pois ela havia conversado com o pastor e descobriu que nesse dia tinha uma
espécie de “culto”. Ficaria muito mais prático, desse modo, para irmos depois
de uma aula.
Não lembro com precisão se fomos
depois de uma aula ou não, porém Camila avisou ao pastor que iríamos visita-los
nessa noite de quarta-feira. O endereço era de um apartamento, há nem dez
minutos andando de onde estudávamos. Fomos recebidos por um casal jovem – o
pastor Filipe e sua esposa, também chamada Camila – que estavam ao lado de dois
amigos colegas deles.
O que na minha imaginação seria
um culto, foi na verdade um bate papo acompanhado por um jantar bastante
constrangedor – pelo menos para mim. Bebi vinho sem ser convidada, não consegui
comer direito porque não havia nenhuma opção vegetariana, não conseguia manter
um assunto em comum com os colegas do casal, me senti completamente deslocada
daquele espaço. Fiz um esforço para não me sentir estranha e, apesar de me
sentir péssima, foi melhor que muita experiência que vivi.
Ao retornar a minha casa, deitei
minha cabeça ao travesseiro sem muita expectativa, como acontecia em todas as
vezes que eu visitava igrejas nesse último ano. Foram muitas comunidades, porém
tudo retornaria ao normal no domingo. Eu iria para Igreja Presbiteriana Luz do
Mundo pela manhã, daria minha aula para os adolescentes e faria o possível para
colocar meu coração na igreja em que eu já estava. Ora, eu tinha um lugar
bacana na igreja, participei de muitíssimas atividades dessa comunidade, o
pastor era uma pessoa receptiva, que gostava de mim e me dava razoavelmente bem
com todos ali.
Quando, em 2012, o pastor me
convidou para estagiar na Igreja Presbiteriana Luz do Mundo, vi pela primeira
vez uma porta se abrindo para sair daquela igreja que cresci, indiferente,
enorme, dura e triste. Abracei essa possibilidade sem pensar muito bem se eu
queria ou não passar mais alguns anos dentro de uma igreja presbiteriana, mesmo
depois de tudo o que eu vi. Eu só queria ir embora e me entregar completamente
num outro lugar.
Nessa ânsia de fugir, me vi mais
três anos numa igreja presbiteriana, escondida dentro das salas de escola dominical,
me esforçando miseravelmente para que as pessoas se importassem comigo para
além do horário do culto. Assisti três anos de culto sozinha, sem ter feito um
amigo. E mesmo assim, acreditava piamente de que não deveria sair da igreja,
porque a comunidade era ótima, com um bom pastor, pessoas agradáveis que, em
breve, seriam minhas amigas. Eu tinha alunos para cuidar, não poderia
abandoná-los. Sair da igreja era uma decisão muito séria.
Porém, no final do ano de 2015,
essa igreja passou por uma crise estrutural que a dividiu de forma irrevogável
e injusta. Na época, todos os pais de adolescentes se desligaram da igreja,
levando todos os meus alunos embora. Meu cargo desapareceu junto com os antigos
membros e me via aos domingos agarrada a um banco, enfileirada e solitária,
assistindo a algumas nucas que já há três anos não se importavam comigo. Era
demais para mim. Me sentia como alguém que empurra um relacionamento que não há
mais amor algum. Tentei conversar com o pastor, revogar tal estado, implorar
por alguma solução sem muito sucesso. Já havia se esgotado, precisava ir.
Depois essa saída, apenas um
adolescente me mandou uma mensagem me convidando para a Páscoa. Ninguém mais.
Era início de 2016.
Um sentimento muito forte de
culpa batia sobre mim após essa decisão, como uma ressaca moral de largar de
novo uma igreja. Falhei novamente. Um verdadeiro cristão nunca muda de igreja.
Muito menos de duas e especialmente quando é um lugar bacana. Mas, em
contrapartida, tinha certeza que havia feito a decisão certa, que eu estava
negando dentro de mim que minha ida para lá era por puro desespero e
oportunismo. Tudo o que eu queria nesse momento era descansar, continuar a
conhecer outras comunidades e evitar me levar por esse mesmo sentimento de
desespero que me conduziu a Igreja Presbiteriana Luz do Mundo.
Para essa jornada, eu precisava
de cúmplices. Convidei muitos amigos que eram ex-presbiterianos e desigrejados
assim como eu naquele momento para passear em igrejas diversas, sem muita
pretensão. O prazo seria o quanto antes e por tempo indeterminado. Poucas
pessoas se demonstraram dispostas e somente um topou irrevogavelmente o meu
estranho plano: João Victor.
João Victor era perfeito para
esse cargo. Ex-presbiteriano, desigrejado, escorpiano, morou um ano na Irlanda
e passou a infância comigo no pátio da catedral enquanto ele ainda tinha cabelo
cacheado. Mesmo sendo seus pais amigos dos meus, sempre tivemos liberdade de
conversas, viagens e discussões teológicas e políticas diversas, fazendo dele
um ótimo exemplar de quem não haveria nenhum problema com o serviço. Mas,
principalmente, sua melhor característica era sua visão crítica e sincera sobre
absolutamente todos os temas da vida, desde roupas até mesmo sacerdócio feminino.
Desse modo, João sempre me
encontrava aos domingos, impreterivelmente, para dar as caras em alguma igreja
que vinha em nossa cabeça. Pentecostais, históricas, ecumênicas, dentre outras
eram por nós visitadas e, ao final do culto, meu amigo sempre teria alguma
palavra evidentemente dura e pontual: “muito barulho”, “muito tradicional”,
“isso era um shofar?” e acompanharia seus comentários com uma dose apimentada
de fofocas de nossa antiga igreja, onde sempre alguém transou ou
começou a namorar.
Certo dia, um sentimento me
surgiu de modo a desejar ir novamente naquela igreja em que eu fui em maio de
2015. Algo me dizia que dei azar e que, talvez se eu fosse num dia de culto
propriamente dito, talvez não teria sido tão estranha minha primeira impressão.
E senti estranhamente que algo bonito deveria existir naquela igreja. Falei
então com João Victor que, obviamente, se aprontou para ir comigo.
Nesse domingo, retornando ao
mesmo endereço do esquisito jantar, houve um culto pequeno, comigo, João
Victor, o pastor, sua esposa e mais três pessoas. Dessa vez, diferente da outra
experiência, foi muito gostoso. Tocou-se louvores, houve uma mensagem e,
novamente, nos chamaram para jantar. Eu estava receosa com as péssimas
lembranças e João Victor não era uma pessoa muito afável então logo após o
culto, abraçamos a todos e nos despedimos sem ficarmos para os comes. Porém, o
Espírito do Senhor se alegrou dentro de mim e sai de lá curiosamente feliz.
Apesar disso, tive a impressão que não era algo advindo do culto, mas somente
meu e, por isso, guardei o riso e fiquei pensando do porquê que eu fiquei tão
alegre repentinamente com aquela igreja.
Ao adentrar no carro que João
Victor estava me dirigindo para ir a igreja, soltei sem querer uma pergunta que
não consegui segurar:
- João, o que você achou da
igreja?
Eu ainda hoje me lembro bem do
olhar do João, a qual levantou uma das sobrancelhas e disse no tom mais natural
do mundo:
- Achei que foi como uma reunião
de oração. Nós estamos acostumados com reunião de oração. O que essa igreja não
me deixou claro é qual a sua doutrina. Não tem como saber se batiza criança, se
acredita em predestinação, etc. Já passamos tantos anos em
uma igreja conservadora, eu quero ver igrejas que são verdadeiramente
diferentes.
Naquele momento, a minha alegria
foi inundada com um balde de água fria que me conduzia a um pensamento que nem
existia naquele momento. Será que eu estou me empolgando com uma igreja que
depois irei descobrir como conservadora e fria como todas as outras? Ora, eu
havia prometido a mim mesma que não iria me deixar levar pelos meus
sentimentos. Eu posso errar de novo e me sentir novamente culpada por ter sido precipitada.
Por isso, continuamos durante
alguns meses frequentando outras igrejas, dentre elas uma que até fiz um leve
esforço de me aproximar, participar de seus grupos e conhecer melhor a
comunidade. Enfim, sem muito sucesso. Já estava em certo momento da caminhada
que algumas pessoas ao nosso redor começaram a nos perguntar sobre o propósito
dessa peregrinação religiosa. Será que realmente estamos procurando uma igreja
para nós? Ou já estamos tão conformados que nunca encontraremos lugar? Ou essa
é apenas uma diversão de domingo porque somos pessoas muito curiosas? Não sabia
mais.
Só sei que tinha vontade de
visitar novamente aquela igreja que eu sai rindo, despretensiosamente.
Como, a princípio, eu e meu amigo
havíamos combinado de visitar somente uma vez cada igreja, decidi ir por conta
própria nessa comunidade para ver como é que seria. E, novamente, me vi leve,
risonha, alegre como eu não sentia há muito tempo numa igreja.
Aos poucos que eu ia me deixando
levar por esse desejo quase que sem entender me conduzia para aquela
comunidade, fui me aproximar de outra face da igreja que eu não conheceria se
fosse apenas uma vez. Conheci aqueles que frequentavam, o pastor, os cânticos,
seus planos e visões para o futuro. Aqueles que eram somente rostos, se
tornaram também nome, com uma história e que estavam bastante dispostos a me
ter ao lado.
Acabei adaptando o meu plano
inicial a fim de que, ao anoitecer de domingo, eu pudesse voltar para essa
comunidade que fazia eu me sentir “um bocadinho melhor”. João Victor logo
percebeu que não íamos mais tanto a muitas igrejas como antigamente e que
aquela sede de curiosidade estava se esvaziando para mim. A minha impressão era
de que já havia encontrado aquilo que nem eu mesma sabia que estava procurando.
Algo muito estranho, na verdade,
estava crescendo no meu coração como de súbito. E o sentimento era tão intenso
e apaixonado que em menos de três meses de igreja eu e metade das pessoas que
estavam indo a igreja decidiram se cadastrar como membro. Por um momento, me questionei se eu estava me
precipitando, afinal passei três anos na Igreja Presbiteriana Luz do Mundo e em
nenhum momento senti convicção no coração de que eu deveria me cadastrar como
membro. Porém, esse encontro foi tão verdadeiro que fez nascer em mim a certeza
que eu jamais imaginei que fosse encontrar dentro de uma igreja.
Quando dei por mim, estava com
saudade dos meus irmãos, queria mandar mensagens para eles durante a semana.
Sentia no coração vontade de orar por eles, de saber onde eles estavam e era
curioso como eles ficavam felizes de me ver, de realmente me conhecer. Às vezes
eu sentia vontade de ir a barraca de seu Valdelino só para o ver e tinha
vontade de chorar quando ouvia a Carla desabafar comigo. Quando Silas disse
para mim que iria se mudar para a Alemanha, uma parte de mim foi junto e,
quando a Camila, esposa do pastor Filipe, engravidou, que grande alegria! Fomos
todos nós que ganhamos essa criança. A cada vitória e derrota da igreja, parece
que éramos todos nós lutando junto, construindo essa comunidade.
Eu percebi, então, que Deus
estava me ensinando o que era o amor. Um amor tão cru, visceral e comunitário
como jamais vi. E ali que eu poderia ser como uma árvore fértil, plantada ao
lado do riacho que no tempo certo dá seu fruto.
Fomos crescendo, acolhendo mais
pessoas. Fui me envolvendo, dando aula, pregando e, agora, recebendo na minha
própria casa. O amor foi se expandindo, criando novos contornos, abrindo novas
portas. Hoje essa igreja, a Igreja Cristã Carioca, é minha família, meu lugar
de pertença. Deus tinha me dado o riso para que pudesse voltar para os braços
dessa comunidade e conhecesse esse amor tão profundo.
Percebi também que Deus estava me
ensinando a ter esperança, a acreditar que Ele pode abrir portas mesmo quando
já não acreditamos mais em nós mesmos.
Depois de um tempo, eu e João
Victor não estávamos mais visitando outras comunidades. Parece que o sentido
daquela brincadeira acabou se perdendo ao longo dos meses para dar espaço a
essa experiência concreta, estável e crescente. Ele, infelizmente, não encontrou ainda o ninho
para si.
Mas eu sim.
que vontade de ser seu amigo, Rebecca!
ResponderExcluirtolstói me trouxe aqui no seu blog, mas acabei lendo este e outros textos. gostei muito!
acho que temos muitas coisas em comum, por exemplo, o vegetarianismo.
você escreve muito bem! ganhou mais um admirador. espero ter a oportunidade de um dia te conhecer pessoalmente. aliás, em janeiro, eu e minha esposa estamos de férias. provavelmente, visitaremos o rio. vc mora aí, né?! quem sabe! hehe bom, fiquei muito feliz que você encontrou um ninho. vou torcer pra que o joão victor também encontre. e desejo a você tudo que for necessário pra uma vida bem vivida. grande abraço, Rebecca! do seu novo leitor e irmão de fé, samuel ericksen. =)
Muito obrigada pelos elogios, de verdade!
ExcluirE bora marcar então! Sou do Rio sim. Só me dizer a epoca que estarão por aqui. Posso até apresentar alguns restaurante vegetarianos que eu curto bastante daqui! haha Será um enorme prazer.
Abraços!
Nossa, adoraríamos conhecer esses restaurantes! Vai ser um prazer, sim.
ExcluirJá te tenho no face, e falei maravilhas sobre seu escritos pra Débora, minha esposa.
Se ela te adicionar no face, já saiba que foi por isso haha. Abraço!
Me identifiquei tanto com esse texto que chorei um pouco aqui. Que reviravolta ele me provocou! Obrigada por escrevê-lo e por esse blog como um todo. É um alívio encontrar experiências de fé e vivências em comum. Obrigada!
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